O novo Ashram minimalista

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Privatização dos lucros, colectivização dos prejuízos


Os que pensam que o capitalismo está em risco devem pensar que um gato está a morrer quando vomita uma bola de pêlo, ou que um pato é suicida quando engole umas ervas purgantes. O capitalismo precisa destas crises neuróticas de aflição colectiva para se regenerar e continuar caminho, porque sem elas uma parte do seu esquema básico não funciona.
E que esquema básico é esse? É o mesmo, pelo menos desde o século XVII, e contém-se numa fórmula lapidar: "Privatização dos lucros, colectivização dos prejuízos".
Sempre foi assim, assim continuará – como os gatos, os patos, e já agora, os seres humanos: comendo individualmente, mas espalhando generosamente por todo o lado, e pelos demais, os resultados da purga.

O Magalhães

Às observações de Charlotte sobre o Magalhães (AQUI), acrescentei:

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O nome é agoirento, porque o Magallanes a que se alude não terminou a sua empresa e acabou da forma mais estúpida e brutal. Tudo indica que houve, desta feita, negociatas, favores, locupletamentos, plágios, as confusões costumeiras. O computador em causa é limitado, acho-o feio.
E no entanto, este ou outro aparecem para operar um pequeno e suave milagre. Basta-me que haja uma criança que, passando a ter o seu computador, através dele vai ser incluída nesta maré da revolução informática. Pode mesmo a sua «info-alfabetização» não ser mais do que precária ou incipiente. Mas estou a ver os olhos brilhantes, crédulos, fascinados, a seguir a interacção que os dedinhos papudos vão comandando no teclado, a descoberta, a descoberta, o fascínio.
Um computador barato é uma chave mais fácil para sairmos do círculo paroquial da nossa ignorância e da nossa dependência. A grande esperança que nos resta é a de que as crianças de hoje saibam sair daqui de forma mais rápida, mais ágil, e sobretudo mais completa, do que conseguiram fazê-lo as gerações que as precederam. Por um milagre da tecnologia isso já não implica deslocação física, mas apenas umas centenas de euros, uma «alfabetização» simpática e mais ou menos intuitiva, e uma conexão à rede.
Os adultos que se lambuzem na ganhuça com o Magalhães - são como Judas a contar as moedas debaixo da forca, não é deles já que trata o futuro, ficarão como um pequeno borrão dentro da marcha imparável.

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Easy savoir-vivre

Uma crónica na TIME ironizava, observando que nos últimos dias os EUA se têm rendido às soluções administrativas que sempre escarneceram nos franceses. Dupla ironia, a França americaniza-se ferozmente desde os anos sessenta, e só isto é que explica a estridente retórica anti-yankee com que de vez em quando os líderes franceses procuram protestar o seu irredentismo neo-galicano. Ora, como a elite cultural americana é francófila desde sempre, parece que se está a consolidar uma simbiose a meio caminho, uma muito hegeliana síntese de contrários, que oxalá resulta num «easy savoir-vivre» (com umas pitadinhas de zen)...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Um reencontro alegre

Um dia perguntaram a Peggy Guggenheim quantos maridos já tinha tido, e ela replicou: "meus ou de outras mulheres?"

Uma despedida triste

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Pasmaceira tropical



Entrada espaventosa: Tame the Kant

Talento indiscutível, mau humor, e necessidade de alguma pimenta na língua (o estilo combativo não justifica n'importe quoi): http://tamethekant.wordpress.com/

Entrada retumbante: o silêncio dos livros


Impõs-se imediatamente: http://osilenciodoslivros.blogspot.com/.
O meu modesto contributo para o filão, com dois quadros de John Singer Sargent.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

De LM para SF




Sentado diante da TV no quarto do Hotel, e porque amanhã é feriado cá, decidi-me a ver um filme num dos excelentes canais de cabo sul-africanos. Saiu-me o Zodiac, que eu tinha tido imensa pena de perder no cinema (hoje perco tudo o que passa no cinema). Muito interessante, e até repousante (ou seria do barulho da baía lá fora, a embalar-me?).
Mais importante, porque a acção do filme decorre em SF, deu-me uma nostalgia imensa do cenário do Ashram original, algures à sombra da Coit Tower.
Isto de estar sózinho dá para todo o tipo de divagações. Bem, beber uma garrafinha de água, voltar a olhar para o Telegraph Hill e dormir, que aqui é mais uma hora.
Nada melhor do que um feriado inesperado, amanhã temos natação!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Uns minutos por dia, c'est tout

Há um tempo para semear, um tempo para recolher. Há um tempo em que vamos presos ao remo de uma galé e imaginamos um timoneiro. Um dia olhamos com mais atenção e percebemos que o timoneiro não existe. Começa o tempo do resgate, e o tempo que nos sobra devemos geri-lo na suave vingança do tempo perdido, buscando uns intervalos de reencontro com aquilo que teríamos sido se não fosse aquela juvenil ilusão de serviço a uma causa, ou a alguém – revivendo e recriando, de forma mais incondicionada, munidos daquele pequeno sucedâneo de omnipotência que nos é consentido pela rebeldia e pela imaginação.
Eu sei que a rotina é uma tempestade perfeita, que não autoriza o silêncio que seria essencial para voltarmos a ouvir a nossa voz interior, e com ela empreendermos aquele cauteloso e paciente esforço de resgate. Mas antes de morrermos atordoados numa canseira que não nos acrescenta um só minuto de vida, deveríamos ter tempo para parar, para respirar fundo, para olhar em volta.
No tempo para recolher percebemos que não é preciso ceder nada, nem renunciar a nada, porque há coisas que se eclipsam pela pouca importância que lhes descobrimos, coisas ruidosas que não chegam a entrar na equação. Recobramos tempo, o tempo que conta, nem que seja cinco minutos silenciosos a escrever três parágrafos numa resposta a velhos amigos.

Manhãs em Delagoa Bay


segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A Mouraria em Londres

A um comentário de Charlotte sobre a paulatina insinuação de tribunais islâmicos nas ilhas britânicas, acrescentei:
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O problema é demasiado complexo. Se as comunidades imigrantes são encurraladas em guetos por iniciativa daqueles que se arrogam representá-las, é muito difícil a um Estado moderno e tolerante impor um quadro valorativo e decisório capaz de resgatar aqueles que querem sair do gueto e apostam na sua integração.
Lamenta-se duplamente as vítimas: primeiro porque ficam reféns de um fanatismo clerical que se alimenta do preconceito, da opressão e do ódio; e depois porque vêm passar-lhes mesmo ao lado um caudal de oportunidades civilizacionais, agudizando certamente a sua frustração.
O problema pode ser relativizado se lembrarmos que a última instância adjudicativa é, obviamente, a ordem jurídica do Estado que os acolhe, e que por isso bastará a algum desses imigrantes renunciar à jurisdição voluntária para beneficiar da protecção total do sistema vigente nesse Estado. O problema está em que se imagina o grau de intimidação e violência, e até de ignorância, que habitualmente cava um fosso intransponível em torno do gueto.
Há uma ironia em tudo isto, que não escapa a quem tenha perspectiva histórica: enquanto os imigrantes muçulmanos se sujeitarem a viver sob a dupla jurisdição dos seus bantustões eles não constituirão verdadeira ameaça à cultura que os acolhe. Só o seriam, como na Roma do século V AD, se tivessem abandonado a etnia e tivessem abraçado, evidentemente com reserva mental, a cidadania e os costumes. Assim, a segregação torna-os mais assustadores mas menos perigosos.
O velho ditado aconselhava "Em Roma, sê romano", mas aparentemente a sabedoria da cominação perdeu-se para estes novos bárbaros – sejamos justos, para aqueles que, silenciando-os, falam em nome deles.
Dito isto, só tenho pena das crianças e de algumas mulheres que ficam do lado errado deste auto-imposto apartheid jurídico.
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Saudades da Ericeira

(clicar para ampliar)

Sabedoria felina

Vamos brincar à caridadezinha

Aquele combatente denodado contra a pobreza que é vocalista dos U2, desmentindo cabalmente os rumores segundo os quais tinha abraçado a causa apenas para promover os seus interesses comerciais, acaba de evidenciar o valor da sua solidariedade com a aquisição do modesto bote que pode observar-se. NOTÍCIA

domingo, 21 de setembro de 2008

Apologia do anonimato

O nome que nos é dado, em sociedades de reduzida mobilidade social, investe-nos num estatuto de privilégio ou de privação que nos engaiola – e o faz com um peso colectivo tão determinante que não hesitamos em atribuir ao destino aquilo que não passa de puro corolário da convenção social.
Essas sociedades policiam, não raro ferozmente, a criação e a perpetuação desses papéis e estatutos – e só não o fazem mais porque contam com a interiorização espontânea dos valores que representam, o auto-policiamento por parte daqueles que vêm em tudo isso uma fatalidade, um sentido, um interesse até.
Mais ainda, essas sociedades não toleram surpresas no jogo, e por isso reclamam de cada um o aval do seu pedigree, para saberem quem privilegiar e quem humilhar e excluir, independentemente daquilo que as pessoas façam. Todos nascemos com a herança dessa marca, e muitos com esse estigma.
Por isso essas sociedades desconfiam do anonimato.
Não importa se o «Nuno» tem nobreza de carácter, se tem talento, se tem ambições: interessa é saber se nasceu para servir ou para ser servido, para mandar ou para ser mandado, para abrir caminho ou para seguir os outros; e para isso é determinante tratar-se do «Nuno Nunes», constituir o último elo, visivelmente marcado e facilmente identificado, de uma cadeia de castas superiores ou inferiores.
Na simbiose da sociedade rígida e fechada, a ninguém é, no fundo, consentida a autoria do papel que a sua existência total representa – e não admira que as mais gratificantes formas de auto-realização e transcendência pessoal tenham que ocorrer, dado o contexto, no reduto da privacidade, na invisibilidade e no silêncio, para lá das remotas fronteiras até às quais se estende a grilheta da alienação.
O anonimato é, nestas ocasiões, a máscara com que assomamos à janela desses redutos. Quando a sociedade vai longe de mais no tributo que nos pede e na marca que nos impõe, ressurge espontaneamente um sentido nobre de anonimato, que é a recusa de uma «regra de jogo» que sabemos viciada. Uma recusa que se converte num acto de libertação privada.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Vou para Sul

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Escolher um Pinot Noir e jogar um peculiar Solitaire...


Kind of blue: fim de tarde em Malibu





Brincar às bonecas

Não tenho seguido com grande interesse a campanha presidencial nos States, mas acho que se foi um nadinha longe de mais com a última manobra cosmética. Faço minhas as palavras do Confrade COMBUSTÕES na sua referência ao "decaído McCaine" e à "alvar pateta que o assessora".
A pobre da Senhora não acerta uma: é burrice sobre burrice, numa cadência torrencial.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Divórcio, Justiça e Ódio

A uma reflexão de Charlotte sobre o divórcio, repliquei:
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Chegamos ao limite daquilo que o Direito pode fazer: o Direito não restitui o amor, a confiança, o tempo passado. O Direito pode tentar forçar ao sustento económico, mas mesmo com prisão por dívidas de alimentos não consegue assegurar a espontaneidade do gesto. Com muita dificuldade o Direito previne a violência, mas é comum que inadvertidamente incite à violência quando tenta demarcar com critérios de justiça as esferas de liberdade de pessoas que subitamente se tornaram estranhas (e antes disso partilhavam no registo do Amor, não dividiam no registo da Justiça).
Mas mais importante, o divórcio é um foco doloroso, é uma degeneração da vida, especificamente da demanda por felicidade que nos dá alento para aguentarmos tudo. O Direito deve contribuir para a pacificação, mesmo que isso signifique menos justiça: não deve buscar justiça à custa da degradação espectacular, do insulto, da mentira cúmplice, da intimidação, da mobilização de inocentes, do percurso retrospectivo das recriminações, num psicodrama de todas as dores e males de que é capaz a natureza humana, uma espécie de linchamento moral. Se, por isso, for possível diminuir, um pouco que seja, o litígio no divórcio, isso parece-me uma coisa boa.
Permita-se-me um paralelo: um raptor, depois de um confronto com a polícia, chega ferido ao hospital. Deve o Direito, só porque o acto é censurável, indicar aos médicos que devem remoer-lhe as feridas e recusar-lhe a anestesia, perpetrando uma espécie de linchamento no hospital? Não haverá um limite de compaixão, de humanidade, na aplicação da Justiça?
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Só as famílias infelizes têm uma história

Ironias bolsistas (Crash for dummies)

O hábito é tudo: há pânico geral quando os parasitas descobrem que mataram o hospedeiro, e há júbilo outra vez quando os parasitas anunciam pomposamente, sem estados de alma, lucros fabulosos – os sugadíssimos hospedeiros habituam-se a tudo, mesmo a essa crapulosa simbiose. Nunca ninguém se lembra de perguntar pela reposição de verbas, quando se percebe que o que falta às empresas falidas é precisamente o mesmo montante que foi atribuído, ao longo dos anos, em opções e prémios de gestão? A culpa não é do capitalismo (nas alternativas o roubo ainda é maior), a culpa é do estupidificante hábito da simbiose.
Vem tudo em The Modern Corporation and Private Property, de Adolph Berle & Gardiner Means – um livro já bem velhinho!

Todas as familias felizes se assemelham



segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A moda das luvas brancas

Diz-se que Ramalho Eanes terá dado uma «bofetada de luva branca» recusando os retroactivos de uma pensão que lhe é atribuída.
Duas notas singelas:
a) a pensão pode ser legal, mas é imoral: não se percebe porque é que, ele ou seja quem for, há-de receber duas pensões, "a dois carrinhos", a menos que tenha uma carreira contributiva plena para qualquer delas (não é o caso).
b) em matéria de «luva branca», é uma estreia; ainda me lembro da altura em que aceitou um doutoramento «honoris causa» de uma universidade privada, que receberia em conjunto com o Prof. Veríssimo Serrão. Este respondeu que, apesar de ser um dos fundadores dessa universidade privada, sentia não ter feito por ela trabalho que justificasse tal distinção – um bofetadão de luva branca, que não impediu o outro «doutorando» de ir buscar o diploma, salvo erro ao «pólo de Famalicão».
Enfim, nunca é tarde para aprender, mais vale ter aderido, tardiamente embora, ao clube da «luva branca»...

Sempre oportuno relembrar... (2)

Apprenez que tout flatteur
Vit aux dépens de celui qui l'écoute

(La Fontaine, "Le Corbeau et le Renard", Fables)

Sempre oportuno relembrar... (1)

En ce monde il se faut l'un l'autre secourir,
Si ton voisin vient à mourir,
C'est sur toi que le fardeau tombe.
(La Fontaine, "Le Chevau et l'Âne", Fables)

sábado, 13 de setembro de 2008

Ainda para lá do Céu do Missouri...

Pat Metheny revisita os dois temas de Cinema Paradiso

Wittgenstein

Lembro-me bem da iluminação que foi, para mim, a primeira leitura de algumas passagens do Tractatus Logico-Philosophicus: pela primeira vez via a uma outra luz uma empresa filosófica da maior ambição, e no entanto minimalista e assente numa espécie de pressuposto de desaprendizagem, de corte com a tradição. Por isso fiquei muito mais apegado a esse «Primeiro Wittgenstein», ainda crente numa espécie de reedificação lógica do mundo (com as suas tonalidades metafísicas e poéticas), do que ao «Segundo Wittgenstein», centrado numa visão de «jogos de linguagem» que, em tudo o que não retomava a velha linha nominalista, sempre me soou altamente suspeito de pirronismo (sobre o livro de que se mostra a capa, LER).

Rawls

Mais de um século de tradição analítica, combinada com o império da Economia no seio das Ciências Sociais, tinham deixado obscurecida uma das questões fundamentais da tradição filosófica: quando é que podemos aceitar que uma sociedade inegualitária seja definida, apesar de tudo, como justa? E pode uma justiça de resultados tornar mais aceitável, por rectificação, a própria justiça de meios? Hoje a filosofia jurídica e política tem que, no mínimo, começar por um diálogo com Rawls (agora os próprios libertários, esquecendo as divergências de Nozick, já o adoptam: LER).

Heller

Pode haver excesso de apropriação privada? O profeta dos Anti-Baldios explica-se em livro. (VER)

O Mito «Highlander»

Uma Constituição escocesa? Uma literatura escocesa? Um traje escocês? Tudo invenções do romantismo: antes dele os escoceses notáveis fugiam para sul do rio Tweed e procuravam disfarçar as origens...
(LER)

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