O novo Ashram minimalista

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Outra vez o anonimato



O autor do blogue Portugal dos Pequeninos, entre palavras simpáticas para o Ashram, avança com a opinião de que fui "lamentavelmente arrastado pela facilidade do anonimato" (LER).
Seria contraditório dar razões particulares tão específicas que redundassem na quebra desse anonimato.
Digamos apenas, por isso, que já várias vezes me pronunciei a esse respeito (VER).
Por consideração para o Confrade, retomo uma defesa de princípio que já enunciei há dois anos (AQUI), e que em geral continuo a subscrever:

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"O nome que nos é dado, em sociedades de reduzida mobilidade social, investe-nos num estatuto de privilégio ou de privação que nos engaiola – e o faz com um peso colectivo tão determinante que não hesitamos em atribuir ao destino aquilo que não passa de puro corolário da convenção social.
Essas sociedades policiam, não raro ferozmente, a criação e a perpetuação desses papéis e estatutos – e só não o fazem mais porque contam com a interiorização espontânea dos valores que representam, o auto-policiamento por parte daqueles que vêm em tudo isso uma fatalidade, um sentido, um interesse até.
Mais ainda, essas sociedades não toleram surpresas no jogo, e por isso reclamam de cada um o aval do seu pedigree, para saberem quem privilegiar e quem humilhar e excluir, independentemente daquilo que as pessoas façam. Todos nascemos com a herança dessa marca, e muitos com esse estigma.
Por isso essas sociedades desconfiam do anonimato.
Não importa se o «Nuno» tem nobreza de carácter, se tem talento, se tem ambições: interessa é saber se nasceu para servir ou para ser servido, para mandar ou para ser mandado, para abrir caminho ou para seguir os outros; e para isso é determinante tratar-se do «Nuno Nunes», constituir o último elo, visivelmente marcado e facilmente identificado, de uma cadeia de castas superiores ou inferiores.
Na simbiose da sociedade rígida e fechada, a ninguém é, no fundo, consentida a autoria do papel que a sua existência total representa – e não admira que as mais gratificantes formas de auto-realização e transcendência pessoal tenham que ocorrer, dado o contexto, no reduto da privacidade, na invisibilidade e no silêncio, para lá das remotas fronteiras até às quais se estende a grilheta da alienação.
O anonimato é, nestas ocasiões, a máscara com que assomamos à janela desses redutos. Quando a sociedade vai longe de mais no tributo que nos pede e na marca que nos impõe, ressurge espontaneamente um sentido nobre de anonimato, que é a recusa de uma «regra de jogo» que sabemos viciada. Uma recusa que se converte num acto de libertação privada."

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