O Jansenista

O novo Ashram minimalista

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Adieu


1. Qualquer noite seria boa para passar a certidão de óbito: fica esta. Foi bom, foi agradável, mas decidiu acabar sem me perguntar nada, e algumas tentativas de reanimação nos últimos meses não resultaram. Foi uma época da minha vida, algumas chegadas e muitas partidas, algum riso, alguma discussão e muito silêncio. O gozo do anonimato foi-se perdendo e os combates foram esmorecendo; ficou o gozo epicurista da partilha, imagens, sons, uma ou outra evocação, uma ocasional farpa irreverente.
2. Nestes longos anos fui muito acarinhado por estranhos, e ficar-me-á o travo de uma cumplicidade descarnada que se tornou poderosa, contra toda a expectativa, e o espanto da exploração a fundo de uma possibilidade tecnológica inteiramente nova. Sinto-me mais arrependido das amizades que deixei de fazer do que das falsas familiaridades que o confronto de ideias fez esboroar; a amizade postiça valeu para mim ainda menos do que a correcção ideológica.
3. O caminho continua por outras paragens mais exíguas, mais secas, mas as únicas que a minha vida presente, pelos vistos, comporta. Por aqui, continuarei a ler quem já lia, e mais uns quantos que não deixam de chegar. Um dia pode ser que regresse, mas calçado, sem corda ao pescoço, sem o burel puído e sem a máscara severa de um jansenista.
And I Love Her by Pat Metheny on Grooveshark

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Nova etapa da política portuguesa: o momento propiciatório


Fala-se de abolir os feriados, e parece que no intuito de ajudar à recuperação económica e financeira. Não importa que países mais prósperos tenham, alguns deles, mais feriados do que nós: o que interessa é impor restrições e sacrifícios à plebe até que se apazigue o mau-olhado que se presume estar na base no mau momento económico e financeiro.
O mau-olhado há-de condoer-se de nós, é essa a ideia: se trabalharmos como uns desalmados, sem feriados, fins-de-semana, férias, ou mesmo noites, o monstro recuará, impressionado.
Não podemos mais oferecer em expiação crianças, virgens, inimigos; e mesmo galinhas ou bodes não servirão doravante ao holocausto do mau-olhado. Sacrifiquemos então o tempo e o lazer, quem sabe se assim a coisa passa.
Almas incrédulas e dissidentes apontarão o dedo acusador à inépcia política que gerou um prematuro, a moeda única. Mas a grei, imensamente impressionada pelas admoestações dos condutores políticos, em contrição reconhecerá que tudo é devido à preguiça e aos negregados feriados, e ao aborrecimento que isso causou ao Moloch dos "mercados". Merecemos o castigo; misericordiosamente, os núncios de Baal não nos exigem a vida, apenas nos regateiam o tempo e o descanso. Querem-nos vivos, mas a sofrer. Vamos a isso.

Comunicado do fundo do tempo

Street Art (3D !!)


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Regressando aos poucos...


Interessa é não nos sujarmos


Caviar is most often served nowadays as an hors d'oeuvre, spread on wheat crackers or spooned into hollowed-out new potatoes. It may be served as a first course, presented on a small plate along with some crusts of bread and traditional accompaniments such as grated onion, grated egg, and capers. A gentleman remembers that caviar is salty and a little goes a long way. He uses his napkin carefully, since black fish eggs can make an ugly stain on the front of his white shirt.

Modos de lidar com a crise grega 3


If a gentleman encounters snails or escargot (pronounced "ess-car-go") - at a dinner party, he will be provided with the necessary equipment for eating them. A special pair of tongs to grip the snail and a small fork for pulling the meat out of the shell will be provided. If no tongs are provided, the gentleman must use his fingers to hold the shell. He makes sure to get a good grip. Otherwise, the rounded shells may go sailing around the room. The tiny shellfish fork is placed on the right side of the plate, outside the knife and spoon.

Modos de lidar com a crise grega 2


Usually an entire artichoke will be on your plate. Its leaves will point upward. A gentleman pulls each leaf off, dips it in the provided sauce, and scrapes it between his teeth to remove the tender flesh. Once all the leaves are gone, a hairy little island will remain in the middle of the artichoke. This is the "choke." A gentleman uses his knife and fork to slice it away, uncovering the delicious artichoke heart underneath. He cuts the heart into bite-size pieces and dips them in the sauce before eating them. A finger bowl may be placed on the table so that a gentleman may clean his fingers.

Modos de lidar com a crise grega 1


At some grand-scale banquets or formal restaurants, after the main course, a gentleman may be presented with a small scoop of citrus- or liqueur-flavored sorbet in a dish. This is not dessert. It is merely a break in the meal so that the tartness of the sorbet can clear away the heavy taste of the entree. Sorbet is usually followed by a salad course.

domingo, 23 de outubro de 2011

Letargia momentânea


Percorrendo freneticamente continentes e mesmo este país neurótico de norte a sul, o Jansenista não tem tido o tempo nem a cabeça nem o talento de regressar aos banhos lustrais no jacuzzi do Ashram. Há-de voltar mais para o Natal, no tintinábulo das memórias e no silêncio dos ausentes.
Há-de voltar.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O mais comovedor discurso feminista


No matter how much women prefer to lean, to be protected and supported, nor how much men desire to have them do so, they must make the voyage of life alone, and for safety in an emergency they must know something of the laws of navigation.
(...)
The talk of sheltering woman from the fierce sterns of life is the sheerest mockery, for they beat on her from every point of the compass, just as they do on man, and with more fatal results, for he has been trained to protect himself, to resist, to conquer. Such are the facts in human experience, the responsibilities of individual. Rich and poor, intelligent and ignorant, wise and foolish, virtuous and vicious, man and woman, it is ever the same, each soul must depend wholly on itself.
(...)
Whatever the theories may be of woman's dependence on man, in the supreme moments of her life he can not bear her burdens. Alone she goes to the gates of death to give life to every man that is born into the world.
(...)
And yet, there is a solitude, which each and every one of us has always carried with him, more inaccessible than the ice-cold mountains, more profound than the midnight sea; the solitude of self. Our inner being, which we call ourself, no eye nor touch of man or angel has ever pierced.
(...)
Such is individual life. Who, I ask you, can take, dare take, on himself the rights, the duties, the responsibilities of another human soul?

Elizabeth Cady Stanton, "The Solitude of Self", 1892 (LER)

Steve Jobs

Nas primeiras páginas da sua magistral biografia de Sigmund Freud, Peter Gay sublinha que ele foi dos poucos que, graças à sua marca pessoal, morreu num mundo diferente daquele em que tinha nascido.
Pode dizer-se algo de semelhante, hoje, de Steve Jobs, um incansável criador de símbolos e de referências num mundo que se rendeu completamente a eles.
No seu discurso de Stanford foi simples e directo acerca daquilo que acaba de vitimá-lo, e com isso averbou uma vitória sublime sobre o medo.
Deixa o mundo diferente. E naquilo que se lhe pode atribuir, deixa o mundo melhor.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Desterrado e indignado

Sento-me molemente diante da televisão, aqui nestas longes terras, e vejo um painel com umas palmas espalmadas nuns moldes em bronze, e uma "curadora" (espécie que devia ser reservada à produção de queijos) a anunciar que se trata de um monumento à República.
O que é que uns cascos moldados em bronze nos dizem sobre a República?
Irá o painel disputar primazia com o imorredoiro monumento de expressionismo fálico que simboliza o 25 de Abril?
Irá a Coroa Britânica processar-os por acumularmos aberrações inestéticas num parque que ainda leva o nome do Príncipe de Gales (inexplicavelmente, ainda ninguém se lembrou de lhe chamar parque Catarina Eufémia)?
Não poderia estabelecer-se uma moratória (de um século pelo menos) na edificação de monumentos em Lisboa?
Não poderíamos exportar, a preços módicos (ou mesmo com uma subvençãozinha nossa) os nossos "artistas"?
É nestas alturas que me sinto mais luterano / calvinista / maometano: devemos abster-nos de representar ou celebrar simbolicamente as coisas que mais respeitamos. Por mim, respeito Lisboa, respeito Eduardo VII, respeito a República – gostaria que a idolatria e a iconolatria ficassem exclusivamente centradas no glorioso 25A, talvez com uma sub-secção dedicada às glórias da nossa adesão ao Euro (no pedestal gravados os discursos de 1999 a 2002, e os cascos dos europeístas em bronze).

sábado, 1 de outubro de 2011

domingo, 18 de setembro de 2011

DSK: ele é bom rapaz, um pouco tímido até


O varrasco já começou a admitir, pianinho: diz que cometeu uma falta moral mas que não houve violência, sendo portanto que está a jogar com a semântica de "violência" (claro, o que não é violência para ele pode ser violência para a vítima, mas isso não interessa); pouco antes já finalmente tinha admitido ter tentado beijar a jornalista francesa, para acrescentar que se sente caluniado (de quê? quer-nos fazer acreditar que, se tem havido receptividade, teriam ficado pelo beijo casto?).
Voltemos à "faute morale": em que consistirá ela se não houve violação frustrada? Pedirá ele desculpa de quê? Não tendo havido violência, que será que lhe pesa na consciência? Ter ferido o pudor da vítima com exibicionismos ou solicitações? Por que não especifica? Aliás, por que não explica a tentativa de fuga?
Em tudo isto há um déjà-vu, o nosso velho Bill Clinton, a desmentir com toda a veemência ter tido relações sexuais, e depois, ameaçado com provas científicas, tentando reescrever a semântica de "sexo" (aquilo que, na sua mentezinha porca, contava e não contava como "sexo").
Ora se Clinton logrou manter-se Presidente de uma grande potência, porque não poderá Strauss-Kahn alcandorar-se à presidência de uma ex-potência fanada? Habilitações manifestamente não lhe faltam.

Austeridade contada às crianças (2)


Criança-prodígio toca violino. Para se saber se é mesmo prodigioso, pede-se-lhe que toque sem cordas. Prodígio é saber tocar sem cordas; logo, na falta desse teste jamais se saberia aquilo de que a criança seria verdadeiramente capaz: com cordas qualquer um toca, é demasiado trivial. Se alguém se interrogar acerca da necessidade das cordas para que haja som, e portanto música, responda-se-lhe que isso é assunto para adultos, que as crianças não têm nada que se meter em assuntos sérios.

Austeridade contada às crianças (1)


Pianista procura emprego. Receita: vai-se-lhe cortando os dedos um a um até que ele demonstre capacidade para tocar piano. Há-de ser um grande pianista – mas primeiro exige-se que seja um pianista austero. Se alguém perguntar se um grande pianista precisa dos dedos, responda-se-lhe que isso é assunto para adultos, que as crianças não têm nada que se meter onde não são chamadas.

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