Parece revolução mas não é; revolução é coisa mais ou menos exclusiva da Europa e dos seus frutos directos, e fora disso só com licença e pagando royalties.
Revolta? Talvez nem isso, é uma sedição da moirama a soldo de inconfessáveis desígnios tirânicos – que aquela gente não ama a liberdade, que é coisa nossa também, coisa de que temos a patente e que exportamos de modo muito controlado.
Quando oiço e leio os cínicos a falarem dos movimentos de rua nos países árabes lembro-me sempre da passagem num livro recente sobre o Padre Cícero em que se descreve a reacção de um Cardeal francês às notícias de milagres no Ceará: “Impossível, Deus ia lá fazer milagres no Brasil!”, que isso dos milagres também é coisa muito nossa (Napoleão III não deixara de observar uns tempos antes que o Brasil “não é um país sério”, coisa que De Gaulle teve a cortesia de repetir; Deus deve tê-los ouvido, porque Deus é dos nossos).
Estava tentado a repetir que o tempo dirá o que resulta destes movimentos de rua nos países árabes, mas o tempo não diz nada: lembro-me de discutir com um francês por ocasião dos 200 anos da Revolução Francesa, e de ele asseverar que tudo aquilo fora exclusivamente fomentado e financiado pela revanche britânica contra o apoio francês à independência norte-americana. 200 anos passados ele não conseguia alargar os horizontes explicativos para o evento; daqui a 200 anos ainda não haverá consenso quanto ao alcance desta debandada dos tiranetes árabes; daqui a 200 anos ainda haverá perspectivas a negarem a autonomia e até a existência àqueles va-nu-pieds árabes; daqui a 200 anos ainda serão outra gente, "não os nossos"; ainda permanecerão incapazes de altos sonhos e de gestos de nobreza que em nós são tão naturais, que nos assentam tão bem.
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