A Consoror Charlotte reflecte (AQUI) sobre os eventuais projectos de Madonna Ciccone em matéria de cirurgia estética. Comentei:
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O meu lado liberalão e tolerante diz-me que isso da cirurgia estética (a frívola, entenda-se) é assunto de cada um; o meu lado mais militante diz que é desperdício de recursos que são desviados da cirurgia onde há listas de espera; o meu lado cristão diz que mexam à vontade em mamas e rabo, mas não toquem na imagem e semelhança de Deus, que é o rosto com que O contemplamos e com que Lhe respondemos; o meu lado Naomi Wolf revolta-se contra a servidão auto-mutiladora e o «síndrome Frankenstein» (ou mais recentemente, o «síndrome Dália Negra») que subjaz a essa ilusão patética de «abonecamento».
No fim, tenho somente comiseração: pena que pessoas que não sabem fazer-se estimar (já nem digo amar) pela sua personalidade, pelo que fazem, pelo que sonham, pelo que partilham e ajudam, achem que alguém as estimará pela forma como modelam a carne ou repuxam a epiderme. E não digo pena da sua alienação, que essa é sempre capaz de garantir a felicidade ilusória, mas pena por esse combate inglório contra o tempo e a gravidade, e pena por essa mendicidade de atenção que verdadeiramente só assegura, a partir de um limiar, o entusiasmo animalesco do mais cavernícola dos machos.
Quando contemplo as vítimas da mais grave «hubris» estética, os aleijões perpetrados no rosto, quando as vejo com a boca intumescida, o esgar permanente, o olhar paralítico, lembro-me sempre da maldição de Gwynplaine, o «homem que ri» de Victor Hugo – um rosto deformado por um rasgão dos cantos da boca que parece um riso indelével e que tragicamente faz, por isso mesmo, rir a crueldade dos outros sempre que chora (a mesma maldição do «Joker» de Batman).
Uma maldição tornou-se um desejo? Devemos estar a chegar ao grau zero da nossa desumanidade, penso quando desvio o olhar horrorizado.
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O meu lado liberalão e tolerante diz-me que isso da cirurgia estética (a frívola, entenda-se) é assunto de cada um; o meu lado mais militante diz que é desperdício de recursos que são desviados da cirurgia onde há listas de espera; o meu lado cristão diz que mexam à vontade em mamas e rabo, mas não toquem na imagem e semelhança de Deus, que é o rosto com que O contemplamos e com que Lhe respondemos; o meu lado Naomi Wolf revolta-se contra a servidão auto-mutiladora e o «síndrome Frankenstein» (ou mais recentemente, o «síndrome Dália Negra») que subjaz a essa ilusão patética de «abonecamento».
No fim, tenho somente comiseração: pena que pessoas que não sabem fazer-se estimar (já nem digo amar) pela sua personalidade, pelo que fazem, pelo que sonham, pelo que partilham e ajudam, achem que alguém as estimará pela forma como modelam a carne ou repuxam a epiderme. E não digo pena da sua alienação, que essa é sempre capaz de garantir a felicidade ilusória, mas pena por esse combate inglório contra o tempo e a gravidade, e pena por essa mendicidade de atenção que verdadeiramente só assegura, a partir de um limiar, o entusiasmo animalesco do mais cavernícola dos machos.
Quando contemplo as vítimas da mais grave «hubris» estética, os aleijões perpetrados no rosto, quando as vejo com a boca intumescida, o esgar permanente, o olhar paralítico, lembro-me sempre da maldição de Gwynplaine, o «homem que ri» de Victor Hugo – um rosto deformado por um rasgão dos cantos da boca que parece um riso indelével e que tragicamente faz, por isso mesmo, rir a crueldade dos outros sempre que chora (a mesma maldição do «Joker» de Batman).
Uma maldição tornou-se um desejo? Devemos estar a chegar ao grau zero da nossa desumanidade, penso quando desvio o olhar horrorizado.
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