O novo Ashram minimalista

terça-feira, 17 de junho de 2008

120 anos de quem? (a 13 de Junho)

É curioso que o que entendo de Fernando Pessoa – o pouco que entendo – me leva a sentir que ele detestaria esta ideia de mumificação que são as «comemorações». Há nele, sente-se, o fascínio do anonimato, cuidadosamente sublimado nos heterónomos, e é a sua natureza de lisboeta vulgar, buscando a plena imersão na vulgaridade indiferente, que precisamente o liberta como poeta. Como quem diz que a poesia não é um estatuto e o intelecto não é um modo de vida. Para estatuto, bastou-lhe o de pedestre nas calçadas pombalinas; para modo de vida, bastou-lhe a rotina pequeno-burguesa. Não!, sinto-o reclamando, não, a poesia é outra coisa, o intelecto é outro plano de valores e de realização! São ambos libertações; mas de que nos libertaríamos nós se, em vez da imersão no ramerame baço e mareado da canseira, vivêssemos já no Olimpo das amarras quebradas?
O Fernando Pessoa que inventou o Fernando Pessoa poeta quis viver na sombra das arcadas e do anonimato e do conforto dos amigos, nunca transcendeu as suas frustrações e os seus vícios, e é aquele que nasceu há 120 anos, não este (que não nasceu, porque ninguém nasce tão perfeito). É não o ter entendido – receio – querer comemorar um a pretexto do outro.

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