O novo Ashram minimalista

domingo, 2 de setembro de 2007

Cronica de Agosto 22 – Diario de Ribeiro Saraiva

Um amigo emprestou-me os dois tomos do Diário de Ribeiro Saraiva (1831-1845), o adido de confiança de D. Miguel em Londres, e eu devorei tudo, deliciado. Belíssimo retrato, a bruto, sem qualquer lima ou buril (sendo óbvio que o Diário não se destinava à publicação), dos sentimentos de um patriota longe da pátria, vivendo de longe os dramas, conspirando ao mais alto nível, acompanhando à distância a derrota miguelista (e a carlista, com cujos cabecilhas revela uma extrema intimidade), e acabando finalmente por pagar pesadamente a factura pessoal do exílio.
Algumas notas de destaque:
1) A paixão acrisolada e dolorosa por Catarina Sherson, um modelo vivo daqueles padrões de inflamação, pudor, repressão e renúncia que vivem romanescamente em Jane Austen, ou na Pamela de Richardson. Não somos poupados a nenhum detalhe dessa turbulenta obsessão, que termina mal: vitoriosa a oposição familiar a Ribeiro Saraiva, explicitamente ditada por razões de religião e de dinheiro, Catarina acabou por casar "com um velho endinheirado, Major Smith... of the Madras service, ou cousa que o valha" (29 de Abril de 1842 - II, 196)
2) Ribeiro Saraiva não se furta a revelar detalhes moralmente comprometedores, mormente admitindo que, num momento de desespero financeiro e de delírio amoroso, fraquejou nas suas convicções miguelistas e carlistas: "Pela manhã, resolvi de, sem mais demora, ir apresentar-me a Mendizabal e propor-lhe o negócio, a saber: que, mediante uma soma que me assegurasse 400 ou 500 libras por ano, eu faria a minha submissão a Portugal e não me ocuparia mais da causa da Espanha [...] era a minha posição e amor tão extremoso pela minha Cat[arina] que me faria praticar quanto pudesse fazer-se sem desonra ou traição e eu não considerava haver uma ou outra coisa em abandonar uma causa que não é do meu país e submeter-me ao governo de facto da minha pátria, usando da liberdade natural, em que fiquei, depois que D. Miguel se foi embora, de escolher outra pátria, ou a minha de novo" (15/16 de Março de 1835 - I, 383-384)
3) Recuperado da momentânea fraqueza, não deixa de submergir a objectividade da análise ao peso das suas convicções militantes: "Classifiquei-lhe assim o estado dos partidos e a sua proporção: 7/10 realistas de todos os matizes; 2/10 constitucionais de 1822; 1/10 devoristas, carvalhistas ou mendizabalistas" (10 de Outubro de 1836 - II, 90)
4) Até ao final do Diário, a combatividade e o desprezo pelo regime constitucional nunca mais o abandonam – bastando, a ilustrá-lo, o modo como se refere a Fernando de Saxe-Coburgo, consorte de D. Maria II: "Faço a qualquer português que se honre de o ser, sem me importar a que partido ele pertença, a simples pergunta: - «Diga-me, senhor, Vossa Mercê (se é que ainda há no reino alguém que tenha tal tratamento, ou que tenha escapado à aluvião de Excelências, Senhorias, à praga de Ducados, Marquesados, Condados, Viscondados, Baronatos, Foros de fidalgo, Grã-Cruzes, Comendas, Hábitos e até Ministérios de Estado), honra-se muito de ter por seu rei o Fulano Coburgo?» - É pergunta simplicíssima; exijo em resposta um mero sim, ou não, sem mais nada, e só com a assinatura por inteiro dos que tenham coragem bastante para afirmar: -«Sim, - Fulano de Anzóis». Ponha-me um livro no meio do Rossio para esse efeito; quero ver quantas assinaturas de gente decente ajunta." (6 de Junho de 1842 - II, 206).
+++
Chega-me a notícia da morte de Alberto de Lacerda, e não posso deixar de pensar nalgum paralelismo dos exílios londrinos, ambos semi-voluntários, embora com fortunas bem diferentes. Lembro-me também de uma interessante troca de ideias com alguns Confrades, a propósito do patrocínio de Edith Sitwell.

1 comentário:

O Réprobo disse...

E como posso eu esquecer o Sherlock Jansenista em acção?
Quanto ao Ribeiro Saraiva, o «Diário...» - que possuo - é realmente magnífico, mas os escritos literários também não desmerecem. Os dirigentes Miguelistas (infelizmente não os militares) eram gente de capacidade que nos Liberais só encontramos em Herculano, o qual se desgostou e não quis dirigir mais: Visconde de Santarém, de quem se podia dizer quanto a RS o que o Caro Jans dix de Si e do ex-banqueiro, Gama e Castro, D. Frei Fortunato de S. Boaventura...
Abraço alegre pelo regresso

Arquivo do blogue