Ainda há dias meditava sobre a pobreza franciscana do género literário «biografia» em Portugal, e mão amiga faz-me chegar, como pãozinho quente saído de um forno caseiro, mais uma peça da hagiografia dos Mellos da CUF, desta feita sobre o genro sortudo, ou seja sobre Manuel de Mello (ainda se fosse o da Carta de Guia de Casados...).
Lê-se bem, desde que não se perca muito tempo com os erros de escrita e de facto, ou seja, com as calinadas e com os pontapés historiográficos. Bom esforço de pesquisa, infelizmente sem o norte de qualquer preocupação de distanciamento crítico ou de isenção face ao retratado e aos descendentes (que, já se sabe, subvencionaram através da editora). O resultado é uma xaropada subserviente, cheia de clichés e de rapapés, de pressurosas alusões às virtudes miríficas, quiçá milagreiras, de tudo o que era anafadote capitalista das pirites e dos sabões: os adjectivos, esses, são descaradamente plagiados dos títulos da imprensa cor-de-rosa, e vão desde «Manuel de Mello: dando o exemplo» a «Amélia da Silva de Mello, uma autoridade suave». O tom geral é, em suma, o de «missa por alma de».
No país do respeitinho, num país que há muito adoptou como religião civil o culto embasbacado do poder plutocrático, uma forma particularmente perversa de atordoamento dos desapossados, adivinha-se o sucesso fácil deste tipo de publicações.
Há uma breve alusão às greves do pós-guerra na CUF, mas sobre a narrativa não paira a mais leve sombra de censura relativa aos modos algo selváticos de repressão então adoptados pelos beneméritos e cristianíssimos Mellos. Adivinha-se, contudo, que o autor terá ficado de má consciência com esse branqueamento selectivo – com essa ensaboadela, digamos –, e numa nota promete-nos um novo volume desta prolífica indústria caseira, desta feita sobre as relações de Alfredo da Silva com Salazar, ao mesmo tempo que no texto (e também já em anterior volume) se sugere que eles não gostavam um do outro. Bonito! Nos próximos episódios vamos descobrir que Alfredo da Silva era anti-salazarista, quiçá mesmo (horresco referens) anti-fascista, e até que (cúmulo dos cúmulos) aqueles que atentaram contra a vida dele não passavam de sicários de Salazar.
Assim se faz a biografia entre nós. Ao horror da morte acrescenta-se agora um novo pavor, o de sermos biografados depois dela.
Lê-se bem, desde que não se perca muito tempo com os erros de escrita e de facto, ou seja, com as calinadas e com os pontapés historiográficos. Bom esforço de pesquisa, infelizmente sem o norte de qualquer preocupação de distanciamento crítico ou de isenção face ao retratado e aos descendentes (que, já se sabe, subvencionaram através da editora). O resultado é uma xaropada subserviente, cheia de clichés e de rapapés, de pressurosas alusões às virtudes miríficas, quiçá milagreiras, de tudo o que era anafadote capitalista das pirites e dos sabões: os adjectivos, esses, são descaradamente plagiados dos títulos da imprensa cor-de-rosa, e vão desde «Manuel de Mello: dando o exemplo» a «Amélia da Silva de Mello, uma autoridade suave». O tom geral é, em suma, o de «missa por alma de».
No país do respeitinho, num país que há muito adoptou como religião civil o culto embasbacado do poder plutocrático, uma forma particularmente perversa de atordoamento dos desapossados, adivinha-se o sucesso fácil deste tipo de publicações.
Há uma breve alusão às greves do pós-guerra na CUF, mas sobre a narrativa não paira a mais leve sombra de censura relativa aos modos algo selváticos de repressão então adoptados pelos beneméritos e cristianíssimos Mellos. Adivinha-se, contudo, que o autor terá ficado de má consciência com esse branqueamento selectivo – com essa ensaboadela, digamos –, e numa nota promete-nos um novo volume desta prolífica indústria caseira, desta feita sobre as relações de Alfredo da Silva com Salazar, ao mesmo tempo que no texto (e também já em anterior volume) se sugere que eles não gostavam um do outro. Bonito! Nos próximos episódios vamos descobrir que Alfredo da Silva era anti-salazarista, quiçá mesmo (horresco referens) anti-fascista, e até que (cúmulo dos cúmulos) aqueles que atentaram contra a vida dele não passavam de sicários de Salazar.
Assim se faz a biografia entre nós. Ao horror da morte acrescenta-se agora um novo pavor, o de sermos biografados depois dela.
1 comentário:
Maravilha! frescura, claro limpo como o som de Miles Davis, cor da paleta de Vermeer e Jansenista claramente escreve e surpreende. OBRIGADO.
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