Curiosamente, imaginava sempre que o destino do avião era o Brasil (hoje imagino que nem sempre, para passarem àquela altitude os aviões não tinham descolado da Portela, possivelmente vinham de Madrid e sobrevoavam-nos de oriente para ocidente já a mais de 30 mil pés). Sentia uma imensa pena de ficar, e uma inveja difusa dos que partiam: para mim o Brasil, bebido nas fotos do Cruzeiro e da Manchete, era um país fascinante e colossal, um país de mulheres belíssimas, eternamente jovens e perenemente bronzeadas, o país de edifícios de Niemeyer plantados no meio da paisagem luxuriante, um país de festas e sofisticação, de bossa-nova e Jorginho Guinle, do virtuosismo de Érico Veríssimo e da música «lounge» de Sérgio Mendes (hoje, décadas de erosão pelas telenovelas quebraram irremediavelmente o encanto).
Se me dissessem que a bordo do avião se dançava com as hospedeiras (loiríssimas) e que tudo era primeira classe e que todos iam felizes, ninguém ia trabalhar e todos regressariam apenas quando quisessem, eu teria acreditado, melancólico que ficava com aquela minha pobre prisão na areia, em terra, sonhando, sonhando. Hoje, que já fui e voltei e vi, acho que nada se compara com a deliciosa inocência crédula daquele menino que se punha a recriar, à sua dimensão, a iconografia social do «jet-set» e as delícias de um país inexistente, e que se resignava a regressar, ao fim de tarde, arrastando as chinelas sob os pés incrustados de areia, à sua casa do lado errado do oceano.
Sem comentários:
Enviar um comentário