O novo Ashram minimalista

sábado, 1 de setembro de 2007

Cronica de Agosto 10 - Annie aime les sucettes

O Homem Cristo tinha o «single» e ouvíamo-lo incessantemente no seu «pick-up», num terraço sobre o Jogo da Bola, foi há mais Verões do que aqueles que é consentido caberem de uma só vez na memória. Musiquinha bem embalada, vagamente barroca, de que nos escapavam os «doubles entendres» maliciosos, e que entrava no ouvido. Uns anos depois voltei a ouvi-la, ou aproximadamente ela, nuns estranhos arranjos sinfónicos dos Ramones (acho que atribuíveis a Phil Spector, o mesmo que se tornou num louco assassino). Quando agora reaparece «Annie aime les sucettes» recuso-me à perda da inocência (que se dane Gainsbourg) e reabre-se aquele espaço de experiência em que me imagino a viajar no passado: já não há «pick-ups» e os «singles» criam pó nas gavetas, eu perdi o rasto ao Homem Cristo e não reencontraria o Sol incondicional que reverberava nos telhados em torno daquele terraço, um Sol que parecia convocado pela toada de France Gall. Só resto eu. Como Ulisses, amarro-me ao mastro do presente para não me deixar aprisionar por esse fiozinho de voz perigosamente inocente que me chama à distância. O contraste com o presente faz com que às vezes nos magoem as memórias demasiado felizes.

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