O novo Ashram minimalista

domingo, 3 de julho de 2011

"Os cretenses chegaram a NY", ou, "Do chafurdo também nasce filosofia"


Entre despedidas, aeroportos, bagagens, perde-se sempre algum contacto com os eventos, mas pareceu-me que o Sr. Strauss-Khan estaria a ser ilibado através do "character assassination" da vítima. Nada de novo - menos ter percebido, na passagem fugaz por um telejornal, que a vítima estaria descredibilizada por ter feito telefonemas a um traficante de droga.
Fazer telefonemas a um traficante de droga é coisa que não se recomenda; mas é bem a primeira vez na vida que oiço sugerir que fazer telefonemas a um traficante de droga é incompatível com a existência de um crime de violação.
Tentemos ver onde nos leva o postulado implícito na asserção.
Primeiro corolário (corolário epistemológico): quem faz telefonemas a traficantes de droga é incapaz de falar verdade; como os cretenses de outrora, a verdade não habita em gente dessa, e se tivesse sido a Sr.a guineense a asseverar que o Sr. Khan tinha fugido para o Aeroporto, ficaríamos a saber que, não obstante ele ter fugido para o Aeroporto, contudo não tinha fugido, porque a verdade se deduz simplesmente do oposto do que ela assevera, poupando-nos à observação de qualquer facto complementar. Todos os cretenses são mentirosos, ergo… (o problema, recordarão os mais eruditos, surgia quando a frase era proferida por um cretense…)
Segundo corolário (corolário ontológico): quem faz telefonemas a traficantes de droga é sub-humano, e portanto o assalto sexual será quando muito bestialidade, mas não é violação. Uma mulher que tenha esse pecado do telefonema no seu currículo vale menos do que uma germânica aos olhos dos cossacos de 1945. É para ser brutalmente despachada, sem apelo nem agravo - pois nenhuma justiça do mundo reconhecerá que ela foi vítima de violação. Por mais que sofra, mulher que telefona a traficantes de droga (horresco referens) é juridicamente inviolável, por mais violada que tenha sido efectivamente, isto é, por mais que o tenha experimentado no desprezível plano dos factos.
E assim vamos no melhor dos mundos! (ou, A falta que nos faz um novo Voltaire!)

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