Lembrei-me especialmente dele há dias, por causa do aniversário, e de tudo o que ficou por dizer e fazer, e de como fiquei para aqui um pouco à deriva, no meio dos fragmentos do abandono.
Meditei se estou a ficar mais parecido com ele, como é suposto acontecer, e concluí que sim e não. Não, porque estou a divergir nalgumas paixões intelectuais, nos rumos da minha realização pessoal, na minha aceitação de um mundo novo. Sim, porque cada vez mais percebo que foi assim mesmo que ele quis que sucedesse, e que ele batalhou discretamente para que eu, seguindo outros rumos, vendo outros horizontes, chegasse ao fim um pouco menos amargo com o mundo, um pouco mais conciliado com a vida.
Eu sempre procurei a aprovação dele e ele sempre se esquivou a dá-la, e era sempre por terceiros que eu descobria o juízo que ele fazia de mim. Percebo-o agora, não quis moldar-me, não quis que eu repetisse no meu mundo e na minha geração os temas, os valores, os erros e os confinamentos intelectuais da geração dele (que ele abominava, "estranho numa terra estranha" como ele era). De tudo o que lhe devo, e que é quase tudo, talvez o que mais releve hoje, entre os sobressaltos da saudade, é o tão pouco que lhe devo – o tanto que ele, com as aparentes reservas e recusas de aprovação, evitou doutrinar-me ou conduzir-me aos seus interesses e juízos.
O problema é que acho que ele também tinha feito isto em relação ao meu avô, e por isso em última análise sim – sim, à medida que vou trilhando o meu próprio caminho estou a ficar cada vez mais parecido com o meu pai.
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(republicado)
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