O novo Ashram minimalista

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Calafrios num dia de calor (3)



Viver, gozar a vida, exige sorte.
Quando reclamamos da vida que ela seja justa, ela esmaga-nos com a sua majestática indiferença pelo bem e pelo mal, e devolve-nos somente a sorte, a boa e a má; não a justiça, que seria sempre boa.
Podemos revoltar-nos, mas a revolta não nos ajuda a viver, apenas nos indispõe para o tempo que passa, bloqueia-nos o gozo da vida que só a sorte propicia.
A vida é cruel, porque nos anima a pensar que ela é presidida por uma redenção justiceira, e dessa ilusão faz jorrar a energia para prosseguirmos, para nos afadigarmos, para sonharmos – para depois distribuir, totalmente ao acaso, benesses que não são prémios e sofrimentos que não são castigos; para depois nos ir eliminando, um a um, independentemente dos nossos sonhos, das nossas fadigas, do nosso ânimo – até do nosso apego ao gozo pretérito que nos faz doirar, recobrindo-a de valor, a distância em que éramos tudo sem pensarmos nisso.
A vida ser-nos-ia insuportável sem essa ilusão; mas é essa mesma ilusão que torna ainda mais insuportável a descoberta do infortúnio em que se alicerça a pouca fortuna que ao acaso nos foi sendo outorgada (no momento em que deixa de o ser).

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