O novo Ashram minimalista

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Crónicas Estivais: Dia 27

"És tu o Pedro, o irmão mais novo do Zé?". Intrigado, confirma-mo.
Tínhamos 12 anos, eu e o Zé, e explorávamos meticulosamente os últimos gadgets (misturados com alguma literatura que na altura se considerava «adulta») que o pai, homem muito avançado, lhe enviava do estrangeiro. Um helicóptero a gasolina, na escala 1/30, um protótipo de calculadora de que era preciso montar os circuitos com conexões eléctricas (um emaranhado incrível de fios que apesar de tudo funcionava, com resultados que julgávamos milagrosos), um spirograph com o qual desenhávamos as formas mais psicadélicas, e mais isto e mais aquilo.
De vez em quando aparecia na sala o irmãozinho de 4 anos a querer brincar, e o Zé disparava-lhe, imperativo, "vai beber água!" e o miúdo, para minha estupefacção das primeiras vezes, ia mesmo!
"Sim, sou eu o Pedro, e tu quem és?", e o rosto ensombra-se-lhe como se uma nuvem negra lhe passasse nos olhos. Fito-o bem: nenhuma parecença com o irmão.
Como é natural ele não se lembra de mim, nem das brincadeiras, nem de ir beber água; mas lembra-se da morte do irmão, poucos anos depois, com uma leucemia. Nessa altura eu mudara de liceu, só soube dessa morte mais de dez anos depois – uma sensação bizarra quando penso que ele era o meu melhor amigo aos 12 anos, naquela idade em que as primeiras namoradas não tinham vindo ainda regatear a sua parte no tempo de que é tão sôfrega a verdadeira amizade.
Tenho saudades do Zé Paulo, é evidente; mas confesso que tenho mais saudades ainda daqueles tempos, e daquele jovenzinho que era o melhor amigo do Zé Paulo, e que tinha pela sua frente uma infinidade de possibilidades de realização que foram sendo descartadas, uma a uma, até hoje restarem já tão poucas (diz-me a minha melancolia que é nisso que consiste a experiência agridoce da vida adulta, aquela que precisamente foi negada ao meu melhor amigo dos 12 anos).

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