O novo Ashram minimalista

domingo, 13 de setembro de 2009

Crónicas Estivais: Dia 22

Um eufemismo soa-me especialmente cruel quando pressinto que esconde uma história dramática, densa, dolorosa, complexa, extensa, insuportável: a «morte de doença prolongada» é o exemplo mais evidente, escondendo como esconde, invariavelmente, um calvário para aquele que morreu e para todos os que, preocupando-se com ele, o seguiram, o ampararam ao longo da via dolorosa, e para os quais as «doenças prolongadas» da lembrança e da revolta apenas começam com aquela morte.
Lembrei-me disto porque faz agora um ano acompanhei o caso de um miúdo «com problemas». Aos 18 anos, o que é que significa «ter problemas»? Uma tal avalanche de complicações, de confusão, de ansiedade e sofrimento para os que o amam, de desnorte e falta de horizontes, de vazio, de impasse, de angústia, de enganos e mentiras, de infracções – que a concentração de tudo isso num tão lacónico eufemismo, «tem problemas», traz ao espírito aquelas singularidades cósmicas de densidade infinita, das quais nem a luz escapa.
Aqueles que sabem aquilo que se abriga no eufemismo recuam perante a força gravitacional dessa crueldade adensada, quando ainda lhes resta o distanciamento necessário para fazê-lo. O eufemismo passa a ser o equivalente verbal desse desvio do olhar que a sobrevivência e a sanidade reclamam de nós: um jovem adulto «com problemas» é, na verdade, uma tragédia de contemplação insuportável.

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