A Espanha evoluiu muito, mas nem sempre no sentido do progresso (naquilo que esta última expressão tem de conotação valorativa). O cosmopolitismo de viragem de século entrou mal em Espanha, o que se revela não apenas na consabida dureza de ouvido dos nossos vizinhos – que por caridade deveriam ser dispensados do esforço de falarem outras línguas – mas também no desaparecimento de muitos dos traços de uma certa nobreza de carácter que parecia altivez, mas era no fundo melancolia de um Império político e cultural não muito distante, agora domado e conservado na penumbra de museus opulentos.
Hoje a Espanha está radicalmente republicanizada e democratizada – mas também o está no pior sentido, especificamente no sentido da eclosão de hábitos de familiaridade que são escusada, e enganadoramente, niveladores. Refiro-me em particular ao tratamento por «tu», que está agora definitivamente universalizado em Espanha – em transgressão daquela milenar sabedoria que, nos países latinos, enfatizava o cuidado a ter na comunicação entre estranhos, reservando expressões de familiaridade apenas àquelas situações em que, mesmo vocabularmente, era possível – e não era insensato – baixar-se a guarda do formalismo (que é a arma da disciplina impessoal, a arma do Direito).
Constato com uma ponta de ironia o ar surpreendido que fazem os espanhóis quando avanço para eles com o «usted», o «Vd.», hoje a converter-se num arcaísmo pomposo. Da minha parte, é também uma melancólica e velada vénia àquela Espanha nobre que sentia pesadamente a sua decadência e tentava recriar-se, apesar dela, no cultivo de hábitos polidos e austeros – e não se comprazia na gratificação plebeia da «movida», do «piso» em Vallecas, das taras de Almodóvar, das glórias do futebol e das férias pagas na Costa del Sol. Dizem-me que algo dessa Espanha soignée e refractária a excessos de familiaridade sobrevive ainda em Buenos Aires e em Santiago do Chile – um dia que lá passe procurarei constatar se é verdade.
Hoje a Espanha está radicalmente republicanizada e democratizada – mas também o está no pior sentido, especificamente no sentido da eclosão de hábitos de familiaridade que são escusada, e enganadoramente, niveladores. Refiro-me em particular ao tratamento por «tu», que está agora definitivamente universalizado em Espanha – em transgressão daquela milenar sabedoria que, nos países latinos, enfatizava o cuidado a ter na comunicação entre estranhos, reservando expressões de familiaridade apenas àquelas situações em que, mesmo vocabularmente, era possível – e não era insensato – baixar-se a guarda do formalismo (que é a arma da disciplina impessoal, a arma do Direito).
Constato com uma ponta de ironia o ar surpreendido que fazem os espanhóis quando avanço para eles com o «usted», o «Vd.», hoje a converter-se num arcaísmo pomposo. Da minha parte, é também uma melancólica e velada vénia àquela Espanha nobre que sentia pesadamente a sua decadência e tentava recriar-se, apesar dela, no cultivo de hábitos polidos e austeros – e não se comprazia na gratificação plebeia da «movida», do «piso» em Vallecas, das taras de Almodóvar, das glórias do futebol e das férias pagas na Costa del Sol. Dizem-me que algo dessa Espanha soignée e refractária a excessos de familiaridade sobrevive ainda em Buenos Aires e em Santiago do Chile – um dia que lá passe procurarei constatar se é verdade.
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