Nunca li um romance da Sofia Marrecas Ferreira – apenas uns textos que ela circulou entre os Anciens do Lycée Français. A agora já estafada boutade tolstoiana de que as famílias felizes não têm história fez-me presumir que ela seria mais uma daquelas pregadoras da beatitude burguesa que se alongam na frase bem torneada e na observação depurada para extrapolarem para o mundo a partir dos seus ninhos de privilégio, escamoteando um mundo alegadamente mais «real» apenas porque é mais infeliz e sofredor (a Sofia Marrecas Ferreira pontifica na mansão rarefeita e acrisolada dos Anciens, à qual os males e contaminações do mundo não chegam, e toda a semântica levita nos sorrisos inefáveis do «beautiful people»).
Por outras palavras, presumi que ela fosse o lado aristocrático da constelação «light».
Sucede que lhe conheci casualmente os dotes de pintora, e reconheci que uma pessoa assim multi-dotada não pode ser apenas um fruto de indolência epicurista, é uma bafejada por um genuíno talento.
Fiquei curioso.
A pequenina entrevista ao Senhor Palomar esconde muito mais do que revela (AQUI), e receio que ao Senhor Palomar, não obstante o rasgo crítico-literário que é patente, lhe tenha escapado a vertente indizível, ou esteticamente intraduzível, daquilo que o tipo de literatura que Sofia Marrecas Ferreira professa, daquilo de que esse tipo de literatura é um seguro sintoma – uma certa liberdade na referência a costumes apaziguados, a éticas soignées, a sorrisos etéreos, a amizades eternas, ao pudor do sucesso, à solicitude da fortuna: uma liberdade na revelação do código de honra do «beautiful people», que, fui aprendendo, só parece frívolo ou odioso para os enragés que, por uma razão ou outra, foram deixados à porta desse baile - um baile cuja coreografia é aquilo que habitualmente designamos por «civilização» (o emprego mais óbvio dentro da polissemia do termo).
Há uns lírios do campo para os quais o Sol brilha ininterruptamente, em suma.
Salut, Sofia Marrecas Ferreira, tenho a certeza de que é isso que descobrirei desde a primeira página dos teus livros.
Sucede que lhe conheci casualmente os dotes de pintora, e reconheci que uma pessoa assim multi-dotada não pode ser apenas um fruto de indolência epicurista, é uma bafejada por um genuíno talento.
Fiquei curioso.
A pequenina entrevista ao Senhor Palomar esconde muito mais do que revela (AQUI), e receio que ao Senhor Palomar, não obstante o rasgo crítico-literário que é patente, lhe tenha escapado a vertente indizível, ou esteticamente intraduzível, daquilo que o tipo de literatura que Sofia Marrecas Ferreira professa, daquilo de que esse tipo de literatura é um seguro sintoma – uma certa liberdade na referência a costumes apaziguados, a éticas soignées, a sorrisos etéreos, a amizades eternas, ao pudor do sucesso, à solicitude da fortuna: uma liberdade na revelação do código de honra do «beautiful people», que, fui aprendendo, só parece frívolo ou odioso para os enragés que, por uma razão ou outra, foram deixados à porta desse baile - um baile cuja coreografia é aquilo que habitualmente designamos por «civilização» (o emprego mais óbvio dentro da polissemia do termo).
Há uns lírios do campo para os quais o Sol brilha ininterruptamente, em suma.
Salut, Sofia Marrecas Ferreira, tenho a certeza de que é isso que descobrirei desde a primeira página dos teus livros.
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(Mapa daqui)
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