O novo Ashram minimalista

terça-feira, 1 de abril de 2008

História Universal da Mentira, e uma proposta

A mentira é um sistema de vida – observava Tennessee Williams – do qual só saímos através do álcool e da morte.
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Jacob e Rebeca mentiram a Isaac, fazendo Jacob passar por Esaú; Sansão mentiu a Dalila acerca da origem da sua força. Dilacera-nos ainda a forma como mentiram a Filoctetes. E Heródoto, que Cícero crismou como «o Pai da História», foi muito bem rebaptizado por Oscar Wilde como «o Pai das Mentiras». Tissafernes, comandante persa, ardilosamente conduziu Clearco e outros quatro generais espartanos para a morte. Marco Crasso e as suas legiões foram das primeiras vítimas registadas da proverbial mendácia árabe (segundo nos conta Plutarco). Simão «Pedro» mentiu três vezes seguidas, e não foi menos santo por isso. Ao olhar subtil de Tácito não escapou o artifício dos protestos de inocência de Nero quanto ao assassinato de Agripina. Na Institutio Oratoria de Quintiliano teoriza-se sobre a arte da mentira. E Santo Agostinho, ao mesmo tempo que se agiganta na luta contra a mendácia, teoriza e descreve oito formas de mentira – e não deixa de recomendar a Consêncio que minta aos priscilianos entre os quais se insinuara como «agente infiltrado». A mulher do nobre (mas ingénuo) Belisário mentia-lhe descaradamente, conta-nos Procópio, que sugere que ela mais não fazia do que seguir o supremo exemplo do imperador Justiniano, o mais mentiroso de todos. São Tomás de Aquino, sempre organizado e judicioso, reabilita a mentira «oficiosa» (a que visa ajudar) e a mentira «jocosa» (que visa divertir), esclarecendo-nos que só a mentira «maliciosa», a que lesa outrem, constitui um pecado mortal (mendacium est falsiloquium in praeiudicium alterius).
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A verdade sem ornamento é por vezes insuportável. Nós gostaríamos de puxar pelos galões do nosso Mendes Pinto (Mentes? Minto!), mas já antes se multiplicavam os herdeiros de Heródoto: veja-se as fabricações de The Travels of Sir John Mandeville, no século XIV, ou, no século XV, as Antiquitatem Rariorum de Annius de Viterbo, um apócrifo de «textos clássicos». Fiquemo-nos por aqui, que depois deles a história da mentira acelera vertiginosamente – até hoje...
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E a proposta é: com isto tudo, não acham que hoje devia ser feriado?

3 comentários:

Unknown disse...

devia.

Artur Corvelo disse...

Um post muito à steiner. Brilhante, claro está, ainda que me pareça algo insultuoso este cheirinho de erudição lançado assim para a nossa blogosfera , sem visos prévios e o chavasco.
Parabéns, grande blog

ana v. disse...

Claro que devia. Se há denominador comum a todos os povos e épocas, é exactamente a mentira!
Belíssimo post, como sempre.

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