O novo Ashram minimalista

domingo, 2 de março de 2008

Portugal é que não é mesmo para anónimos

O autor de «Portugal dos Pequeninos» chama a atenção de que Portugal é um país para anónimos. (LER)
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Daqui lhe respondo.
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Por acaso, quando eu falei de «país», não falava de Portugal, mas deste «país» que é a blogosfera.
Mas já que fala de Portugal, digo-lhe que, se o anonimato não é proscrito, em contrapartida também não floresce. O que floresce em Portugal (olhe à sua volta) é o preciso oposto do anonimato: é a prevalência de nomes grosseiramente soerguidos do pântano do privilégio e da impunidade.
É, desde que há memória, o país do fulanismo, do compadrio e do nepotismo – e para isso é preciso sair-se do anonimato, ter-se um nome, valer-se de um nome. Portugal talvez deva mesmo reivindicar o privilégio de designar a sua classe política por «nomenclatura» sem ter que usar um K.
Insisto, em Portugal o Estado serve nomes, um número muito restrito deles; e são nomes, sempre os mesmos nomes, que se servem impunemente do Estado, à vista de todos, glorificando até o que fazem. Logo abaixo viceja uma clientela que é capaz de viver vidas inteiras por conta do nome, gente cujo único capital é ter nome (a imemorial «fidalguia», nisso somos muito latinos).
O anonimato, a clandestinidade, só são politicamente necessárias para quem, não tendo um nome suficientemente «grande», receia a não-impunidade. Chegada a impunidade, todos, grandes e pequenos, jogam ferozmente no «jogo de soma zero» que é designado entre nós como «fazer nome» («soma zero» porque, para que uns o tenham, os outros têm que ficar na sombra); e num país tão exíguo e tão densamente consanguíneo, alongamos até os nomes de família para aumentarmos as probabilidades de ingressarmos no clube dos «nomes certos» (até há livros, e agora «sites», para isso).
O título do seu blogue é aliás um pouco irónico, digo-lhe: não existe um «Portugal dos Pequeninos», os pequeninos e anónimos foram ferozmente expropriados desde os alvores da nacionalidade – foram, são, continuarão a ser espectadores de um exercício hábil de rapina, e só se diz que Portugal é «deles», ora para os atordoar (e antigamente para os atirar para a frente das batalhas), ora para lhes fazer sentir que não ficarão impunes se decidirem um dia rebelar-se contra a regra do jogo.

3 comentários:

ana v. disse...

Não posso concordar mais. Aliás, tem graça, também escrevi sobre isto, ontem, a propósito de um jantar a que fui.

Unknown disse...

Não posso estar mais de acordo.
Se me permite eu subscrevo por baixo o que escreveu.

Isabel Metello disse...

Se houvesse um autêntico respeito pelo indivíduo nesta lusitana sociedade que tende, intemporalmente, para um gregarismo desresponsabilizante, provavelmente, respeitar-se-iam as legítimas opções de cada um, de acordo com a sua natureza e livre arbítrio.
Na minha opinião, o anonimato só se me revela um pouco chocante quando as pessoas nele se escudam para ofender ou caluniar alguém, de resto, considero o seu uso perfeitamente legítimo, ainda por cima nesta organização social de "brandos costumes" que teima em puxar para baixo quem saia do seu alcance de vista...

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