José Miguel Júdice invocou a figura a propósito do Bastonário cessante, mas eu lembrei-me de tantas e tantas figuras que conheci, e conheço, e às quais se ajustaria melhor o figurino de Eugène de Rastignac, a criação balzaquiana.
À portuguesa é que gosto deles: dandys e de cabriolet só em Balzac (e, por imitação, em Camilo e Eça). Aqui eles não seguem as pompes funèbres no Père Lachaise para, com a inocência ofendida, acabarem a contemplar a babilónia parisiense e a exclamar «a nous deux, maintenant!», propondo-se jogar desenfreadamente o jogo do desconcerto do mundo. Aqui não, são mais labregos, tentam com uma ferocidade impiedosa o enriquecimento fácil e a «réussite» ostentativa: estão poucos meses à solta na capital e acham que blazers com botões dourados, sapatos de fivela e carros com muitas válvulas chegam para disfarçar o esterco das unhas ou o sarro dos dentes; não têm outro escrúpulo do que o servilismo aos engajadores, aos «apoderados», aos mentores, e contam os dias para a vingança dissoluta por sobre as ilusões perdidas; lá longe, nas brenhas, só se sabe deles quando telefonam a informar, a voz embargada de emoção, que chegaram a gestores públicos ou a deputados; passam então eles próprios a engajadores, e um dia mandarão vir lá da terrinha um outro anjo caído que, com mais ambição labrega e mais ferocidade ainda do que eles, há-de acabar por destroná-los.
São os mais puros Rastignacs, porque muito simplesmente nunca ouviram falar de Rastignac, e por isso lhe espelham o tipo moral com a mais pura, inconsciente e límpida espontaneidade.
Uns regressam abastados – mas, mais importante, voltam com currículo da capital, o bastante para passarem a caciques locais, e para serem tratados à porta de todos os bares de alterne por «Senhor Dôtôr».
Outros não regressam, e é deles que se compõe a tão afamada «classe política», a mesma que mastiga bolo-rei de boca aberta e faz saúdes com murganheira («a nous deux Lisbonne!»).
À portuguesa é que gosto deles: dandys e de cabriolet só em Balzac (e, por imitação, em Camilo e Eça). Aqui eles não seguem as pompes funèbres no Père Lachaise para, com a inocência ofendida, acabarem a contemplar a babilónia parisiense e a exclamar «a nous deux, maintenant!», propondo-se jogar desenfreadamente o jogo do desconcerto do mundo. Aqui não, são mais labregos, tentam com uma ferocidade impiedosa o enriquecimento fácil e a «réussite» ostentativa: estão poucos meses à solta na capital e acham que blazers com botões dourados, sapatos de fivela e carros com muitas válvulas chegam para disfarçar o esterco das unhas ou o sarro dos dentes; não têm outro escrúpulo do que o servilismo aos engajadores, aos «apoderados», aos mentores, e contam os dias para a vingança dissoluta por sobre as ilusões perdidas; lá longe, nas brenhas, só se sabe deles quando telefonam a informar, a voz embargada de emoção, que chegaram a gestores públicos ou a deputados; passam então eles próprios a engajadores, e um dia mandarão vir lá da terrinha um outro anjo caído que, com mais ambição labrega e mais ferocidade ainda do que eles, há-de acabar por destroná-los.
São os mais puros Rastignacs, porque muito simplesmente nunca ouviram falar de Rastignac, e por isso lhe espelham o tipo moral com a mais pura, inconsciente e límpida espontaneidade.
Uns regressam abastados – mas, mais importante, voltam com currículo da capital, o bastante para passarem a caciques locais, e para serem tratados à porta de todos os bares de alterne por «Senhor Dôtôr».
Outros não regressam, e é deles que se compõe a tão afamada «classe política», a mesma que mastiga bolo-rei de boca aberta e faz saúdes com murganheira («a nous deux Lisbonne!»).
1 comentário:
E se a murganheira faz mal ao fígado. Le murganheira fait vraiment mal au foie, comme vous aime dire.
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