O novo Ashram minimalista

domingo, 2 de setembro de 2007

Cronica de Agosto 26 - Hons & Counter-Hons

Ainda numa onda de Nancy Mitford, que nos revela que na linguagem privada da sua excêntrica família (ficcionada como os Radletts) era assim que se dava expressão ao mais básico e drástico dos maniqueísmos morais (os bons Hons e os maus, desprezíveis, Counter-Hons).
1. Lembrei-me disso ao ler o final das Memórias de J.H. Saraiva. Acho a vida dele especialmente ilustrativa da luta contra o mais férreo e perene maniqueísmo que preside à sociedade portuguesa, aquela clivagem que divide as «élites» (expressão já de si dúbia) entre a plácida auto-gratificação do «privilégio antigo» e a hábil mistura de irreverência e de reverência mercenária do «talento novo». Na primeira linha do «talento novo», sem as ligações necessárias ao «beau-monde» até 1945 e sem os apadrinhamentos ideológicos necessários depois de 1945, J.H. Saraiva teve que subir a pulso a montanha que outros, filhos e afilhados, se limitaram displicentemente a descer – e mesmo assim foi impedido de chegar ao topo, por aquela forma muito característica de desdém cego e ácido e de «complexo de prima-dona» com que o «privilégio antigo» (as «boas famílias», os compadrios, as cumplicidades de infância) trata essas ameaças de «parvenus». É curioso como, com o seu professo (mas nem sempre consistente) reaccionarismo, J.H. Saraiva se presta a defender esse sistema de «privilégio antigo», de certezas arrogantes e imutáveis, que tão ostensivamente o maltratou, e maltrata ainda (se pensarmos, por exemplo, na reputação intelectual de que beneficiou um «queque» com um décimo do talento de J.H. Saraiva, como Ruben A., acho que fica tudo dito).
2. Voltando ao arquétipo original, o pai de Nancy Mitford (o modelo para o varrido e hilariante Uncle Matthew de The Pursuit of Love e de Love in a Cold Climate) confessava que, sendo muito impressionável, nunca tinha recuperado da leitura do final de Tess of the Ubervilles, de Thomas Hardy. A mulher, vendo-o a chorar inconsolável, lembrou-lhe que se tratava apenas de um romance, ao que ele retorquiu indignado: "O quê? Estás a dizer-me que o estupor inventou tudo isto?".
Também há bons Hons, tudo depende da pureza dos seus corações.

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