O novo Ashram minimalista

quinta-feira, 28 de junho de 2007

A Turquia nao deve entrar? Entao Portugal deve sair...

O Confrade Combustões sustenta que a Turquia não deve entrar no negócio de secos e molhados que é a UE. Prima facie eu concordaria, visto que entendo que Portugal deve sair (lembram-se do que foi prometido ao país aquando da adesão à CEE? Tudo banha da cobra).
Dito de outro modo, concordo com as conclusões, não com as premissas. O que interessa é que a Turquia é membro da NATO, e lá está para defender o espaço europeu-mediterrânico-atlântico contra o arco terrorista que se acumula nas suas fronteiras.
Já discordo – e profundamente – das premissas «étnicas» que o Confrade Combustões convoca para excluir a Turquia, alegando que existe uma «pureza europeia» (só se for nas últimas 24 horas, não nos 2000 an0s que precedem), e que esse «núcleo nítido» é uma «identidade cristã» (no mais secularizado continente do planeta? e naquele em que os cristãos estão, há mil anos, mais profunda e sanguinolentamente divididos? ora, ora, Confrade, essa nem no Vaticano passaria sem crítica...).
Contraponho mesmo que não há Europa sem Turquia: o Direito que circula no continente europeu é um legado bizantino, uma reconstrução «oriental» da prática romana; a arte «grega» é geograficamente quase toda turca; Tróia é turca; sem a influência turca não teríamos, nem a estética veneziana, nem a russa; sem a Turquia não teria sobrevivido muita da tradição literária da patrística, sem a sua sombra tutelar muitos dos lugares sagrados do cristianismo não seriam senão uma recordação livresca.
Já uma vez sustentei aqui que deveríamos louvar o legado de Ataturk, um visionário que salvou a Turquia e a Europa, por alguns decénios, do embate directo de um medievalismo fundamentalista que teria, sem ele, florescido muito mais cedo. Haverá, por outro lado, turcos que abominam a Europa e que querem abraçar a causa islâmica radical – mas nisso não se distinguem de milhões de centro-europeus, que andam fascinados com o fanatismo islâmico; mas há muitos turcos que são mais europeus do que eu, e mais prontos a baterem-se pelos valores da Europa – valores para os quais, insisto, eles tanto contribuíram nos últimos 2500 anos.
Se a questão é económica, como o Confrade alega, ou não é, pouco me importa, porque estou convencido de que a Turquia ficaria a perder com o negócio, e aí novamente aconselharia que não entrasse, e que nós saíssemos.
O que me importa é a «turcofobia» que parece querer hoje desempenhar as tradicionais funções de afirmação de coesão interna através da identificação de párias; e nem sequer estou a alinhar num processo de intenções, porque sei muito bem que, da perspectiva dos «identitários» que queriam profissões de fé na «Constituição Europeia» (ou lá como se chamava esse aborto jurídico), também os portugueses são um país de trolhas e sopeiras, de boçais «turcos do ocidente», para serem mandados por um governo e uma presidência centro-europeus (com muita nostalgia «gibelina» de Sacros Impérios e de Batalhas de Lepanto).

Que saudades dos tempos em que o pessoal «aventaleiro» trazia para a Europa Central o amor à coisa turca! Junta-se em comprovação o «Rondo alla Turca» do «aventaleiro» (mas muito devoto) W.A. Mozart.

5 comentários:

O Réprobo disse...

Ó Grande Mestre, a Anatólia e Bizâncio, com as maravilhas culturais que descreve, parece-me serem um pouquinho anteriores à chegada dos Turcos a essas paragens. Como contributo cultural os dois expoentes maiores dos Otomanos foram o empalamento e o harém. Talvez por voracidade fiscal, o Exactor que esclareça, não se tem em boa conta o segundo, realmente um expoente civilizacional. E o primeiro, alvo de marchas orgulhosas que não se aproximam da maravilha musical que refere, só é incensado na medida das meias-tintas...
Abraço

Jansenista disse...

Que eu saiba, o Turco moderno não tem o poder de apagar o passado. Se pensarmos que a população em torno da Torre de Galata, em Beyoglu (o lado norte do Corno de Ouro) é etnicamente genovesa - há muitos séculos -, facilmente concluiremos que a titularidade do poder ou a forma de organização politico-militar não chegaram a beliscar a identidade turca (turca actual, tal como se dirá que os portugueses actuais englobam lusitanos, suevos, mouriscos, etc.).

Pedro Botelho disse...

Deixe-me adivinhar: a tal comunidade cultural troiano-bizantino-veneziano-turca deve entrar para que a seguir entre também a Filistia não-filisteia.

Adivinhei?

Jansenista disse...

Adivinharam, ó trio! Mas antes de isso acontecer, providenciarei que o trio seja enviado para o Irão, para lá poderem carpir o desgosto e deglutirem umas tâmaras.

Nuno Castelo-Branco disse...

Ainda não percebi que Turquia é esta. será a do cerco e razia de Constantinopla? A do ataque a Rodes e Malta? A da invasão dos Balcãs e de Mohacs? A do cerco de Viena? Aquela que tivemos de defrontar no Índico e no Mar Vermelho? A do extermínio dos arménios? Talvez seja outra, mas desconfio que se trata apenas de um pretexto para estender a antiga CEE a certa região mais a sul que vendo bem,é povoada por gentes que ainda há poucas décadas viviam na Europa e que para ela contribuiram cultural e cientificamente durante muitos séculos. Paciência, mas não pode ser.

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