Diz-se que os cães, vivendo em simbiose astuta com os humanos, tendem a olhar-lhes para as mãos. Fitar nos olhos é desafio; não olhar é desprezo; e olhar para as mãos é olhar para o extremo corporal que oferece o alimento (quando há alimento).
Diz-se, também por isso, que, quando o homem aponta, o cão continua a fixar-se na mão, e só treinado aprende a virar-se na direcção para que a mão aponta.
É forçado a perceber, ou a agir como se percebesse, e temo-lo por educado por ter passado a ser dócil, por reprimir a sua astúcia.
Hoje andamos aflitos a olhar para a mão que aponta, e educados que somos (fomos) censuramo-nos de não nos virarmos prontamente, dóceis, para onde a mão aponta. Não tinha, talvez não tenha, que ser assim.
Essa veneração por direcções é o preço da perda da nossa astúcia. Nalguns momentos deveríamos ter a fortaleza ascética de renunciarmos a tudo o que nos separa dela. Talvez, como os cães, devêssemos usar de sábia reserva na análise das mãos que apontam mais do que oferecem. É demasiado curto o tempo da simbiose.
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