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terça-feira, 24 de maio de 2011

As figuras do Sr. Lévy, ou Presunção = Convicção


O Sr. Bernard-Henry Lévy acha que presunção de inocência, um expediente processual que visa especificar o ónus da prova e assegurar a defesa de acusados, é sinónimo de convicção de inocência, ou seja, de grau de certeza quanto à inexistência dos factos que constituem a acusação.
Na retórica inepta do Sr. Lévy, enquanto não está provada a culpabilidade do acusado… está provada a sua inocência! Filósofo que é (pelo menos para o padrão francês…), sabe que a falta de prova da existência não é prova de inexistência. No caso, pior ainda, não se fez ainda prova completa, mas ele já quer silenciar censuras com a sugestão de que não se fez prova… implicitando que ou há flagrante (e parte do caso até é flagrante, como a fuga para o aeroporto), ou então a bendita presunção bloquearia a própria produção de prova. Olé!
A presunção de inocência impede um julgador que tem o poder de decidir, e no caso tem o poder de privar da liberdade, de proferir sentença antes que a prova produzida ultrapasse, no seu espírito, um determinado grau de convicção quanto à verdade dos factos, eliminando toda a dúvida razoável. A presunção de inocência não afasta a convicção de que os factos se produziram, apenas bloqueia a decisão que corresponde, na moldura penal, aos factos. Muito ao contrário do que a argumentação do Sr. Lévy sugere, o julgador tem que ter um grau mínimo de convicção, pois de outro modo teria o dever de abortar liminarmente o processo, por falta de indícios e de "fumus boni iuris". O próprio julgador, insisto, tem que ter uma mínima convicção de culpa do acusado, e a presunção de inocência serve apenas para bloqueá-lo a ele, porque ele tem o poder extraordinário de, em nome da sociedade, punir ou absolver.
Já do ponto de vista moral, por seu lado, a figura jurídica da presunção de inocência não faz sentido – não faz sentido, isto é, em sociedades civilizadas que reconhecem ao julgador o monopólio da punição e não se dedicam a linchamentos. Há, antes, a convicção da inocência e a convicção da culpa, ambas inteiramente legítimas em pessoas que estão libertas da missão de punir ou absolver.
Por mim, o que sei basta e sobra para formar a convicção de que o Sr. Strauss-Khan é culpado, inteiramente culpado, dos actos abjectos a que a sua natureza o conduziu. Num país civilizado e liberto da podridão da decadência moral, ele vai certamente perceber o que é a perda democrática da impunidade – talvez o resultado mais sociologicamente democrático que há, a igualdade perante a lei, decerto mais democrático do que votações e algazarra partidária e benesses de casta.
O Sr. Lévy, por seu lado, anda a fazer triste figura. Ao menos que se lembrasse, filósofo que é, do velho ensinamento de Aristóteles, que se dizia amigo de Platão mas mais amigo da verdade. Há argumentações ardilosas e falácias engenhosas que nenhuma amizade pode justificar. Mesmo em França.

1 comentário:

Paulo Cunha Porto disse...

Meu Caro Jans, disse tudo quando escreveu «para o padrão francês». O B-H L é reincidente em asneiradas intelectuais como aquela em que comeu por real a existência do Autor de «A VIDA SEXUAL DE EMANUEL KANT».
Aqui deve, simplesmente, ter transposto o semantismo de uma acusação que lhe fazem amiúde: quando lhe chamam "presumido" não o estão a dar como "convencido"?
Abraço

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