O novo Ashram minimalista

sábado, 29 de janeiro de 2011

A Parca


Às vezes nos meus sonhos de meninice pergunto pelo Avelino, o Avelino que tinha uns calções demasiadamente curtos e um riso demasiadamente nervoso, um olhar esquivo, mas que era esguio e corria mais do que os outros, e era generoso. Onde anda o Avelino? Que aconteceu?
Se me lembro de mim jovem adulto penso no Pedro, o seu charme compulsivo, o seu sorriso contagiante, a sua desconversa permanente, a sua recusa quixotesca dos valores do conformismo, a alegria solar. Mas depois busco-o e ele não aparece, enigmaticamente.
E o Jorge, apanhado em flagrante em Sintra, gargalhando aristocrático e nervoso enquanto a parceira fugia do marido que não os tinha visto, para onde fugiu ele também? O menino Jorge da velha ama, que lhe trazia bolinhos a altas horas quando ele chegava da estúrdia?
Se penso no início do Outono oiço o marulhar do oceano e a voz sincopada e grave do Zé Luís, e quando me dirijo a ele inesperadamente a conversa diverge para o silêncio e para o vazio das ruas que percorríamos. De onde virá o vento que arrostaremos da próxima vez?
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Que têm eles todos em comum?
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A parca dirige a dança macabra nos momentos mais inesperados e deixa-nos, atónitos, a carregarmos o eco de trajectórias incompletas – a carregarmos a perplexidade que é a sobrevivência, e que é a memória - para seres nos quais ela persiste e interpela.
Às vezes gostava de ser epicurista na forma de encarar a morte; a memória e a ausência dos amigos não mo permitem; estou de certo modo prisioneiro deles.

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