O novo Ashram minimalista

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Praemonitio (vel admonitio?) Ashramiensis



O/a amante que resvala para a condição de manteúdo/a já sabe que está sempre a um passo do repúdio. Vive do favor da mancebia, e os frutos que saboreia têm a graça, o pétillant, mas também o desvalor, da coisa efémera.
Pode chorar quando o repúdio chega; mas chorará, se alguma moralidade lhe restar, não tanto pela ingratidão do repudiante, mas mais pela própria fraqueza de ter consentido trinar na gaiola dos favores.
A seriedade do carácter não consente inebriamentos na dependência. A seriedade repudia favores que trazem afixado o preço. A seriedade reclama a ataraxia da independência, a pobreza honrada daqueles que, por integridade da alma, repudiaram a orgia (Provérbios, 15:17).
O velho Cincinato regressou à lavoura quando sentiu a missão cumprida, e nem um mês tinha passado da sua consagração como Ditador. Tempos houve, pois, em que as luzes ainda apontavam para aqueles que serviam outros valores que não os da glorificação pessoal e do pequeno ganho hedónico da solicitude mercenária.
Como o velho Platão estava enganado! Nenhum nível de conhecimento, nenhum grau de aculturação, resgatam o carácter para a virtude. A sagesse ética tem algo de inato e de herdado, e o resto deve-se à sorte de a estátua interior que policia a nossa conduta não se ser confrontada com demasiadas tentações: foi por isso mesmo que, passada a arrogância e o deslumbramento cognitivistas, Immanuel Kant se rendeu à exaltação rousseauniana da moralidade do homem comum e sobre ela edificou a sua teoria moral – advertindo que não há verdadeira liberdade, mas mero império de paixões, a Schwärmerei partidária, fora desse espaço de contenção e disciplina.
Tenho pensado muito nesses mortos ilustres quando oiço cacarejar aqueles janotas que querem usurpar-lhes a tradição.

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