O novo Ashram minimalista

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Os sete processos Casa Pia



Por efeito da chicana judiciária ficámos, não com um, mas com vários processos Casa Pia. É por isso que, de cada vez que oiço alguém falar sobre o assunto, tenho primeiro de esforçar-me por determinar a qual dos processos se faz referência.
1) Num, digamos o central, foram cometidos crimes; e, como sempre faz, a Justiça dos homens condenou quem pode e como pode (que haja quem tenha fugido da justiça não é razão para exonerar quem quer que seja). Nem tudo o que devia ter sido punido o foi; e as punições ficam aquém do que poderia esperar-se.
2) Noutro processo, alguns polícias e magistrados tomaram a "feeding frenzy" de jornalistas como se fosse a ribalta dos "famosos" nalgum reality-show, e descompuseram-se, malbaratando o pouco que restava de respeitabilidade no ofício.
3) Noutro processo, a opinião pública não se satisfazia com o facto de alguns cobardes terem cevado a sua cobardia num exercício de poder sexual sobre menores, e de com esse gesto terem demonstrado a sua absoluta impotência para cometimentos mais viris ou para outras empresas no crime – e vai de presumir, por isso, que em cada um deles habitava um Tony Soprano, capaz de afogar em sangue a quebra de presumíveis "pactos de silêncio" que obviamente nunca existiram (quem alguma vez acreditaria em vítimas menores e pobres daquilo que os próprios perpetradores possivelmente nunca consideraram um crime, mas apenas uma aberração vergonhosa, uma devassidão inconfessável?).
4) Noutro processo, emergindo do anterior, os culpados tentaram a chantagem do "passa-culpas", um esforço de diluição de responsabilidade e de vitimização que, mais do que generalizar a dúvida, permitiria relativismos e presunções de inocência junto dos espectadores do "reality-show" policial (pois, ao rodearem o Bibi de armas e ao protegerem-no com coletes anti-bala, não estavam as próprias autoridades a acusarem já os demais indiciados de terem entre eles um complot para silenciarem o "chibo"?).
5) Noutro processo ainda, tentacular este, as mesmas instâncias de recurso que se preparam para destruir o processo "central" fizeram uma triagem política, autorizando um novo tipo de chicana judiciária em torno da "impunidade selectiva" de alguns notórios poltrões, mais um factor de desautorização para todos os envolvidos (parecia poder concluir-se que tudo se resumia a mais um episódio do embate partidário, e os crimes acabavam reduzidos a pretextos nesse infindável psicodrama).
6) Numa penúltima variante, alguns chicaneiros profissionais foram alternando entre a ameaça e o choro para fazerem crer que tudo no processo era emocional, irracional, tudo era fruto de preconceitos atávicos, de velhos hábitos de delação e de infâmia, buscando novos bodes em holocausto - um isco usualmente infalível para uma sociedade piegas e carpideira e sempre a um passo da paranóia.
7) E um último processo foi o da renovada violação das vítimas, agora na mera dimensão moral, achincalhando-as, expondo-as, denegrindo e procurando confundir os "delatores", desenterrando e amplificando fraquezas humanas e sujeitando-os a um crivo de "moralidade" e de "carácter" de que tudo o resto era dispensado.
Bem urdido, este tentáculo processual.
No silêncio dos seus gabinetes, alguns juízes viram as provas, aplicaram o direito e condenaram. São seis processos contra um. O único que é, e deve ser, válido, não tem qualquer hipótese de sobrevivência, num país deslumbrado e atordoado pelos outros seis, e que verdadeiramente quase só discute esses outros seis processos, qualquer deles muito mais vibrante e garrido. Não tenho a menor dúvida de que neste momento os desembargadores se preparam para destruir o processo "central", com a mesma rapidez com que procederam à "triagem de acusações" dos políticos indiciados. E estou certo de que tudo soçobrará, como é hábito, numa babel de recriminações regateiras num país que quase já só é alarido.
Restam duas consolações, naturalmente não-jurídicas: alguma justiça foi feita, no sentido de que alguma da impunidade acabou, e acabou mesmo; e o pouco de crente que resta em mim diz-me que o pior castigo destes pedófilos está ainda por vir.

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