A passagem do tempo ensina-nos duas ou três coisas sobre a vida que invariavelmente ignoramos quando somos mais jovens:
- Que a vida é sempre imprevisível, no sentido de que é muito mais o que nos acontece do que aquilo que fazemos acontecer.
- Que a vida é um exercício solitário entre intermitências de companhia, no sentido de que a identidade que transportamos é infinitamente mais próxima do que tudo o que nos é exterior.
- Que a vida nos impõe compromissos, ambiguidades e pequenos vexames, corporais e morais, no sentido de que toda ela é uma travagem num plano inclinado, sem retorno.
Por isso é que precisamos tão crucialmente de nos reimaginarmos, de vivermos ficcionadamente o que não vivemos, de impormos algum sentido e valor àquilo que irremediavelmente experimentamos sem sentido e sem valor, de deambularmos no tempo, para trás e para a frente, construindo o que é inacessível e julgando resgatar o que efectivamente está perdido.
Por isso as nossas vidas pardacentas precisam de uma demão de contra-factual a colori-las – nem que seja na insinuação risquée, no double entendre, na verbalização transgressora, na imaginação aventureira, na frivolidade, uma forma habilidosa e gratificante de, burgueses sedentários, permanecermos amarrados ao cais quando a nossa inquietação nos dita que, como nas palavras do poeta, navegar é preciso.
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