Sentados estávamos, os três, e entre nós fizemos uma espécie de pacto de imperturbabilidade contra o alarido de intolerância que ameaçava submergir-nos.
Um, "the great white hope" daquele tempo, um talento superlativo, não aguentou a pressão e afastou-se do meio, sei que desgostoso e desiludido ao tempo em que lhe perdi o rasto.
O outro acaba de partir.
De certo modo resto eu para evocar essa tarde no Ginjal, na qual passámos em revista as nossas vidas e tecemos mil projectos – nenhum dos quais frutificou, porque outros mil se interpuseram. Nesse dia afastámo-nos da cidade e lembro-me de comentar que à distância ela parecia mais bonita, assim sem o alarido e sem o cheiro, assim filtrada pelo vento e pelo marulhar do rio.
Todos três sabíamos que à mesma hora uma corte de "yes-men" invertebrados (entretanto já clonados nas novas gerações) oferecia as nossas cabeças aos tiranetes académicos da época, mas naquele momento a perspectiva parecia-nos caricata (uma cena tirada de Nicolau Tolentino, pelo menos), e a empatia mútua pareceu formar à nossa volta um círculo de invulnerabilidade.
Conto a partir daí a passagem do conhecimento à amizade com ambos, e várias vezes agradeci, àquele que acaba de partir, o ter-me tornado cúmplice da sua peculiar forma de lidar com as coisas, que me apetece recrismar hoje como jansenismo epicurista, assim a modos que uma forma sincrética de despojamento interior que nos disponibiliza para as alegrias da vida e relativiza ironicamente as tristezas – em mim um esforço constante, nele a coisa mais natural da vida, uma "second nature" (tinha nascido corajoso).
Sinto que, chegando a Lisboa, além dos deveres solenes, tenho que voltar solitário ao Ginjal, em representação dos dois sobrevivos, a assinalar o final do pacto, a fechar o círculo. Foi curto, afinal; afinal não nos aconteceu nada; ainda bem que não nos cobrimos do ridículo do medo; tudo valeu a pena; obrigado pela lição, Zé Luís.
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