O novo Ashram minimalista

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Sonhei com o Poceirão

Lembro-me de, há muitos anos, ter comprado na Feira do Livro um livro de título Bakshish, ou coisa similar, em que se narravam, de forma assumidamente anedótica, as venturas e desventuras do 3º mundo.
No capítulo "ajuda socialista", para lá dos gorros de pele enviados para África (essa era óbvia), havia também os carregamentos de sapatos só do pé esquerdo, e a construção de uma estrada e de uma ponte com ajuda soviética – com o detalhe de que a estrada terminava algumas centenas de metros a jusante da ponte, tendo portanto os indígenas que percorrer a pé o intervalo entre as magníficas obras.
Lembrei-me disto por causa do Poceirão, capital lusa do TGV.
Um TGV que pára no meio de nada é um conceito zen admirável: o viajante, estonteado dos 300km/h, pára no meio da poeira e dos grilos e aí recobra o ritmo telúrico da jorna, à torreira do Sol. Que importa Lisboa, lá longe, se já se pressentem as toadas da ceifa e da debulha?
Se algum obstinado, contudo, quiser prosseguir jornada, restam algumas opções:
a) a travessia naquele ronceiro catamarã que se esforça por não sobressaltar o Mar da Palha;
b) a inscrição na Maratona das Lezírias, que arranca do Poceirão e termina em Camarate;
c) a regata das faluas, havendo vento de feição, e lendo exaltantes trechos de Soeiro Pereira Gomes;
d) a carreira Poceirão-Montijo, com desdobramento para o Fogueteiro, onde há o interface com o comboio da ponte Salazar (o viajante termina a jornada embalado na estridência do Kuduro debitado das telefonias dos gangs residentes deste TGV alcantarense).
Resta por fim a esperança de que um dia o TGV venha tão lançado que, tendo o maquinista emborcado um Quinta de Pegões Reserva e esquecendo-se do sinal de travagem, a composição galgue uma rampa e, como no velho Oldsmobile dos Três Duques, sobrevoe o Tejo e a Reserva de Pancas e venha estatelar-se no Convento do Beato. Aí teremos dado, deveras, e finalmente, o prometido "salto tecnológico".

1 comentário:

Bic Laranja disse...

Ah! Ah! Ah! Brilhante.
Cumpts.

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