O novo Ashram minimalista

terça-feira, 11 de maio de 2010

O Papa e o país queirosiano

Aqui à distância chegam-me ecos da "euforia oficial" com a visita do Papa. Nada de especial a assinalar, excepto o habitual provincianismo das "medidas de segurança", que parecem o barómetro pelo qual aquilatamos a importância de quem nos visita.
Por outro lado, acho que o alarido partidário-maniqueísta dos "opositores" e "defensores" da visita papal é sintomático do quanto o país se secularizou – ou melhor, do quanto se tornou secularista, do quanto o seu registo foi derivando para o "grande atractor" da "linguagem dos interesses" e para os denominadores pragmáticos da coesão social: perdemos o sono com o défice e com a ameaça de expulsão da Zona Euro; já uma ameaça de excomunhão (a sério) seria recebida com bonomia e gargalhadas.
Tornámo-nos militantemente secularistas, amamos e tememos apenas a hidra do Estado e o bezerro de oiro do Capital, e mesmo os que, batendo no peito, evocam a sarça ardente fazem-no apenas por ritual e atavismo, para se reconhecerem uns aos outros e para significarem, na ostentação da pertença, o preito àquela coisa vazia que ainda se designa por "fidelidade" (abreviadamente, "fé"). Os mesmos que vão genuflectir no Terreiro do Paço nem por um segundo reflectem que não é possível, com um mínimo de congruência, erguer em súplica as mesmíssimas mãos que folhearam, deliciadas, as páginas de galicanismo e impiedade de Eça de Queirós – as mãos que soergueram o mais sedutor troféu luciferino…
Aos mais papistas lembro que este torrão ocidental nunca embarcou na devoção guelfa, e que já pouco depois da "Manifestis Probatum" batíamos galhardamente o pé aos interesses seculares da cúria romana, não recuando sequer diante das sanções severas com que Roma retaliava. Para aqueles que andam esquecidos, lembro episódios como a questão das luminárias, a questão dos jesuítas, o modo como reivindicámos o Patriarcado para Lisboa, como impusemos privilégios na nomeação dos bispos – e até, muito mais recentemente, como significámos ao Papa Montini o nosso desagrado com a recepção dos líderes terroristas no Vaticano, e lho fizemos sentir na sua vinda a Fátima.
Dito isto, celebremos, num interlúdio sem significado como o devem ser todos os interlúdios. Nada na presença física acrescenta ao meu respeito pelo intelectual, com quem vou convivendo através das publicações; e nada acrescenta à posição carismática em que ele foi investido, e que deve ser aquilatada à luz de uma profundidade histórica feita de luzes e de sombras, aqui de um país que soube, com independência, tanto servir como servir-se dessa instância espiritual e secular, venerando-a na estrita medida dos seus próprios interesses.

2 comentários:

Je maintiendrai disse...

Haja alguém, Jansenista, haja alguém...

Harry Lime disse...

Jansenista,

Finalamente um comentario equilibrado e sensato acerca do Papa. O que tenho lido por ai oscila entre a devocao beata e o ataque acefalo.

Muito bem!

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