A Helena Matos, uma das pessoas mais lúcidas da imprensa portuguesa e uma das bloggers cuja opinião respeito, tropeçou na burka, ou seja, enredou-se num texto obscuro que, às premissas mais ou menos consensuais, adita aquilo que pretende ser uma conclusão - mas que contradiz as premissas.
A conclusão é bizarra, pois soçobra num extremo de relativismo cultural: não devemos confundir questões de decoro, que são aceitáveis dentro de certos limites, com aquilo que, num consenso quase universal, é um aviltamento da dignidade mínima com que devem ser tratadas as pessoas – mulheres e homens.
A burka é uma aberração e um símbolo ostensivo de aviltamento, e talvez me chocasse menos se algum árabe tentasse passear as suas mulheres prendendo-as com uma trela. Não vale a pena culpar a França por ter perdido demasiado tempo a tomar uma atitude, porque todo o tempo é oportuno para abandonarmos recriminações e formarmos consensos em defesa da dignidade daqueles que são aviltados na nossa presença (sabe Deus aqueles de que não sabemos).
Há um momento em que as subtilezas e os meneios blasés e uma «nonchalance» decadentista devem parar para encararmos, na sua mais elementar crueza, estes atentados à dignidade humana. Não vamos abandonar as pobres mulheres árabes só porque, coitadas, já tiveram a má sorte de nascerem no lugar errado, e no momento errado em que a frustração civilizacional está a transformar-se num pretexto para todos os abusos e violências cometidos contra aqueles que são fisicamente, ou convencionalmente, mais fracos.
As mulheres não são objectos, não são ornamentos, não são propriedade privada de machos, não têm que ser ocultadas, silenciadas, ou mortas em vida. Talvez a Helena Matos (se entendi o seu texto) não tenha percebido bem que é precisamente isso que pretende fazer-se com o símbolo postiço da burka, ao mesmo tempo que pretende medir-se, nas provocações perpetradas no Ocidente, até que ponto alguém esboçará uma defesa dessas mulheres quando a sua ocultação, o seu silenciamento ou a sua morte em vida passarem a ser ainda menos simbólicos.
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