O novo Ashram minimalista

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Um Natal com iluminações




Eu era pequeno e tinha mais frio; as compras cansavam-me, parecia-me que andava quilómetros por ruas íngremes, perenemente escorregadias, repletas de gente de ar adoentado e atulhada de roupa volumosa. Sentia-me um pouco culpado por usar o atalho das escadas rolantes no Grandella sem comprar lá nada. De algumas portas saía o cheiro a bolos e a café com leite, um cheiro adocicado que me nauseava. Obrigavam-me a usar umas gabardines que me deixavam ensopado mesmo quando não chovia, e em dias mais frios os meus punhos e colarinho literalmente fumegavam. Os automóveis poluíam alegremente, engarrafavam-se entre a multidão acotovelada e anónima, pontuada aqui e ali por um cauteleiro esganiçado, um janota abraçado a uma matrona, por miúdos de melena, óculos de tartaruga e duffle coats, e polícias de nariz rubicundo. Ainda havia ardinas, lentos e recurvos, e já havia uns freaks a cheirarem a incenso e a patchouli, de bornal com uns dizeres; e eu, que absorvia tudo isto como um mata-borrão, tanto e tão perfeitamente que fecho os olhos e ainda sinto o cheiro das camisolas de malha e das golas de raposa das samarras e do vento que nos trazia um Tejo importuno, fétido e anti-natalício.

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