Devo estar a repetir-me, mas há um momento de viragem nos meus gostos musicais que se assinala com Beyond the Missouri Sky de Charlie Haden & Pat Metheny.
Um primo meu ofereceu-me o CD num aniversário, e lembro-me de, já a altas horas da noite, ter decidido ouvi-lo nos auscultadores, numa aparelhagem espectacular que tinha na altura e entretanto avariou.
Foi, em mais de um sentido, uma epifania – um convite à reaprendizagem das coisas simples, ou talvez, mais apropriadamente, à desaprendizagem de coisas complexas com as quais atafulhava, à data, o meu sentido estético da vida.
Lembro-me de revirar a capa de tons quentes, lumière tamisée e nuvens caravaggianas, as messes ondulantes de ocre e os celeiros angulosos deslizando pelo meu olhar absorto, talvez com o sorriso do reencontro com aquele tipo de coisas às quais nos rendemos sem receio nem esforço.
Mudei, com uma rapidez e determinação que têm o seu quê de inefável – uma inefabilidade emprestada pelo próprio veículo catártico, pelo carácter sublime da interpelação.
Nessa noite várias pilhas de CDs ficaram instantaneamente obsoletas, e quando evoco músicas anteriores a esse momento elas falam-me quase sempre de memórias de alguém que deixou de ser eu.
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