O novo Ashram minimalista

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A honradez pós-moderna

Um rústico qualquer, ao qual longos anos de cidade não emprestaram polimento e comedimento, foi apanhado a lambuzar-se no frasco do melaço. Os comparsas, que querem fazer-se passar por gente séria, e que – pasme-se – são pagos precisamente para se fazerem passar por gente séria, em vez de correrem o lambuzado a pontapés no rabo empertigam-se em defesa dele.
Que havemos de pensar? No desconcerto do mundo?
Um, que andou anos a pregar a moralidade no aparelho fiscal, lamenta que o lambuzado tenha pedido a sua suspensão, asseverando que não tinha que fazê-lo, por ser prematuro (concluímos que ele não o faria também, nas mesmas circunstâncias, e que só sairia à força). Outro, que chefia a chafarica, demonstra a sua solidariedade, como se isso fizesse presumir fosse o que fosse (aparentemente esqueceu que o público já ouviu falar de "honra entre bandidos"). O supervisor, entalado, parece lamentar profundamente ter que tomar uma atitude (e parece lamentar ainda mais o facto de ter que trabalhar).
Um batalhão inesgotável de moços de frete e de fâmulos e de servos meios-forros e de «pretos de ganho» e de «escravos naturais» (como Aristóteles lhes chamaria) lembrou-se de sair a terreiro a pavonear as suas noções pervertidas de moralidade: e agora num quase uníssono louvam a «honradez» do lambuzado por ele ter mostrado, num pedido de suspensão de funções, assim uma espécie de semi-contrição.
O desconcerto do mundo: a honradez, pelos vistos, passa agora por não se correr de imediato para o abrigo do desmentido e da impunidade mafiosa – mesmo quando isso resulte apenas da falta de alternativas, do maldito azar do flagrante delito.

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