Interpelado por Charlotte acerca do problema da velhice, ocorreu-me dizer:
"O problema da velhice é um problema individual que se converte num problema social que não deveria converter-se num problema político – se não existisse essa miopia colectiva que nos faz descontar desproporcionadamente a nossa própria velhice, se não houvesse problemas de descoordenação que tolhem os movimentos de solidariedade, e se não existissem os azares da fortuna que se conjugam para tornar algumas velhices em verdadeiras catástrofes.
Há uns anos um ex-boxeur, um mauzão e homem de muitas vidas (e todas nebulosas) resolveu tomar conta dos Alunos de Apolo – diziam as más-línguas que os ingressos facilitariam o branqueamento de algum dinheiro. Mas foi com ele que se generalizou, por todo um bairro envelhecido e empobrecido, a prática das refeições gratuitas. Quando se descobriu que alguns dos velhotes já não conseguiam subir as escadas para a sala de refeições primitiva, ele arrendou uma casa térrea por perto, na qual qualquer velhote, sem burocracia, sem devassa e sem alarido, consegue matar a fome.
O Mauzão não esteve à espera de ninguém, limitou-se a observar e terá dito a si mesmo que um dia podia acabar também assim. Não sei se houve lavagem de dinheiro – mas vejo frequentemente, num vaivém de sombras recurvadas, que houve vidas e dignidades salvas."
Sem comentários:
Enviar um comentário