Na velha Roma os citadinos cultivavam o bucolismo, recriando uma imagem idílica da vida do campo e da pastorícia, cuidadosamente expurgadas da sua dureza impiedosa, da sua crueza prosaica, da sua pobreza. Involuntariamente, com essa visão estilizada, ofendiam aqueles que não tinham alternativa - aqueles que, agrilhoados àquele «paraíso», não tinham razão nenhuma para glorificá-lo.
Ocorre-me isso quando oiço as costumeiras jeremíadas pseudo-calvinistas contra o materialismo que se apossou dos Natais e das Páscoas, e agora se espraia para um batalhão de feriados e festejos de importação.
O materialismo é indesmentível, pode ser chocantemente desvirtuador: mas é a clara demonstração de que o homem comum, com o aumento do seu poder aquisitivo, recobra os seus direitos e se liberta de evocações adocicadas de Natais e Páscoas que verdadeiramente não eram mais genuínos, mais religiosos, mais sentidos - mas eram apenas mais pobres, mais despidos, mais crus. Com o materialismo a nova classe média esconjura um passado de pobreza - e nesse sentido o materialismo é muito mais humano e enternecedor do que o obsceno eufemismo de uma «espiritualidade» erigida sobre a necessidade (subtilmente mesclada com as odiosas arrogâncias da «old money» contra a alforria da antiga criadagem).
Dito por outras palavras: a apregoada «espiritualização» do Natal e da Páscoa só é uma virtude para quem possa optar por ela, não para quem seja forçado, por falta de alternativas, a parecer que optou.
O Deus que venero é muito mais um Deus materialista, que dá efectivamente aos pobres, do que um Deus idealista, que os atordoasse com «resignações» ilusórias e com panegíricos da «alegre casinha» de uma pobreza perpetuada.
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