O novo Ashram minimalista

segunda-feira, 9 de março de 2009

Dez anos

Lembro-me de um dia de Setembro em que estávamos os dois sózinhos em Lisboa e decidimos ir jantar às Galerias.
Nesse dia imperou uma invulgar descontracção, como se todas as nuvens se tivessem dissipado e o véu do temor reverencial se tivesse rasgado para me permitir uma genuína cumplicidade entre adultos.
Falámos de tudo e de nada, enquanto despachávamos cada um o combinado nº 3, uma coisa meia indiferente à base de hamburger.
Falámos de um passado que eu não conheci e de um futuro que só eu viria a conhecer.
Ouvi alguns conselhos, mas entretanto interiorizei-os de tal modo que não consigo distingui-los da amálgama de vivências em que me converti.
As Galerias fecharam, não corro o risco de reencontrar-me, de forma mais vívida, com a imagem desse momento de um passado em que tudo parecia possível, tudo parecia aberto, tudo parecia eterno.
Nesse dia voltámos a pé, como de costume, tirando proveito das primeiras brisas mornas de Setembro.
O que se seguiu foi insuportavelmente frio, e amargo.
Por isso recuo à lembrança dessa noite tépida e nela recoloco, no tom mais positivo que me é possível, o momento da passagem de testemunho, o momento de uma derradeira, mas perfeita, cumplicidade.
Prefiro pensar no passo ritmado com que vencemos o ligeiro declive até casa, e na ironia com que falámos da «comida de plástico» que nos servira de tábua de salvação, e nas graçolas com que pontuámos alguns encontros com a vizinhança.
Prefiro tudo, a pensar nesta amargura que hoje perfaz dez anos.

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