O Confrade Combustões lançou-se numa talentosa jeremíada contra aquilo que descreve como a resignação «ocidental» à lei da mediania, e como o «triunfo do homem comum» (LER).
Concordo com boa parte do diagnóstico, mormente no que respeita à dissolução plutocrática e à idolatria materialista.
Discordo apenas:
- da ideia de que esses males tenham a ver com o «homem comum»;
- da ideia de que esses «males» devam resolver-se com os «remédios» do despojamento e da ascese;
- da ideia de que se trata de um «mal ocidental».
1. O homem comum é aquele que nasce, cresce, morre (e ama e sofre entretanto) na penumbra da existência, sem alardes e sem vanglória. Por ele deveríamos todos regular a nossa moralidade, e é à sua diligência que vai buscar-se o padrão, e o limite, dos ditames minimalistas que o Direito impõe às pessoas livres que querem a paz.
As exaltações de virtudes supererogatórias – tanto no triunfo como na renúncia – foram os pendões que levaram os povos às batalhas, às cruzadas, e mais recentemente à virtuosa tirania do terrorismo, muito apropriadamente encabeçada por ascetas resignados ao mais drástico despojamento material.
2. O homem comum, no Ocidente tanto como no Oriente, trabalha por necessidade, e aguça o engenho com sonhos de engrandecimento material; sacrifica a esses sonhos «patetas» o melhor da sua existência, e é em geral tarde de mais que lhe acode a sabedoria crepuscular da renúncia à ávida acumulação de riquezas materiais.
Mas essa «deficiência», que os moralistas invariavelmente lamentam, é o segredo do seu engenho e da sua indústria, é o motor incansável que, possivelmente pelas piores razões e decerto por uma deficiência da natureza humana, faz o homem comum sair da miséria e da dependência (e rebocar, nesse laborioso processo ascensional, aqueles que dele dependem).
Olhando aos resultados, a somente a eles, dir-se-á, pois: antes um burguês mediano e ufano dos seus crassos valores materialistas do que um mendigo atordoado por exaltações contemplativas do seu estado de obscurantismo e de dependência, definhando, famélico, entre nédias vacas sagradas.
3. Há uma qualquer «astúcia da razão» que torna necessária essa alienação materialista do homem comum, e a ela devemos TODA a prosperidade e TODA a liberdade que preferimos associar, românticos e ingratos que somos, a uma «marcha das ideias» que, deveríamos reconhecê-lo, tudo deve ao esforço incansável daqueles que perderam tempo de mais a julgar que havia um paraíso material e a venerar os ídolos de uma consumação hedonista neste império das sombras e neste vale de lágrimas (por alguma razão até Karl Marx reconheceu que a burguesia foi a única classe historicamente capaz de encabeçar revoluções…).
Em suma, sem esse homem comum talvez pudéssemos todos aceder mais directamente a uma nobre partilha de ideais éticos, talvez imperasse uma fraternidade de sabedoria e de despojamento, talvez restasse mais espaço para sondarmos os recantos da nossa autenticidade, talvez, na fusão de horizontes de ocidente com oriente, pudesse até surgir, impoluto, aquele velho paradigma saneador do «homem novo»…
Talvez. Mas de certeza que antes disso morreríamos todos à fome.
O novo Ashram minimalista
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Fanfarra pelo Homem Comum
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