O novo Ashram minimalista

domingo, 2 de novembro de 2008

Alfie à portuguesa

Bebemos – beberricámos – um Cartuxa enquanto íamos desfiando as memórias. Comi duas garfadas do jantar, porque o apetite era pouco. Da próxima há-de ser um Pêra-Manca, ou com sorte um Syrah Alzamora. A meio do serão o copo transbordou e ele deixou fluir, contidamente embora, um rosário de amarguras; rematou-as com um sorriso. Lembrei-me dele mais alegre, mas já foi há muitos anos: agora trocámos de lugar, e senti nele uma pontinha de inveja, sem rancor. A casa está repleta de fotografias que eu já teria confiado a uma gaveta, testemunhos que são de tudo o que ele perdeu, cheias de um Sol acusador.
Tem saúde, está rico, tem sucesso profissional, continua irrepreensível nos modos e nos gostos, a casa é espectacular, mesmo assim tão vazia. Faltam-lhe as mulheres deslumbrantes que lhe arruinaram o passado e lhe atormentam as memórias: parece que nada aprendeu com elas, ou apesar delas, ou por causa delas, e na suave amargura entrecortada de golinhos de Cartuxa julgo adivinhar que, se elas aparecessem, voltaria deliciado a cometer os mesmos erros.

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