Reflexões de Charlotte sobre o magno problema do suicídio (AQUI) suscitaram-me esta contra-reflexão:
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No Sonho de Cipião (De Re Publica, VI), Cícero imagina o jovem Cipião a contar o sonho que terá tido, e no qual reencontra o seu avô – Cipião «Africano» –.
À perplexidade do jovem (“não morreste?”), o velho responde com um paradoxo famoso, que são aqueles que julgamos mortos que estão verdadeiramente vivos, porque libertando-se da prisão do corpo experimentam a vida eterna, e que são os que julgamos vivos que vivem a morte (na forma de sofrimento e decadência) na existência sublunar.
Entra no sonho Paulo, o pai do jovem Cipião, e com a emoção do reencontro destes dois desaparecidos o jovem, inebriado com o paradoxo, pergunta-lhes se não deverá juntar-se a eles nessa dimensão de vida verdadeira.
Paulo dissuade-o, com argumentos retirados de Platão: não somos livres de nos libertar da Terra senão por ordem daquele que nos colocou nela para dela cuidarmos (senão, que sentido teria estarmos aqui?); não podemos libertar a alma do corpo, insiste o pai do sonhador, porque isso seria desdenhar o dom que, investindo-nos no que somos, nos transcende.
Não era a posição unívoca de Cícero (De officiis, De finibus, Tusculanae Disputationes). Mas a fama do “Sonho de Cipião” associou-o, na tradição cristã, à condenação do suicídio, até aos tempos de impiedade do iluminismo.
Antes, Séneca tinha subtilmente (e ironicamente, dado o seu desfecho pessoal) invertido já os termos de Platão: a renúncia ao suicídio não é o cumprimento de um imperativo, é antes o exercício de uma liberdade – é um gesto moral.
É na ponta desta inflexão valorativa que pega David Hume, quando busca reabilitar o suicídio como expressão irredutível e idiossincrática da última liberdade que pode restar à nossa condição (quando acordamos, cépticos, do Sonho de Cipião).
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No Sonho de Cipião (De Re Publica, VI), Cícero imagina o jovem Cipião a contar o sonho que terá tido, e no qual reencontra o seu avô – Cipião «Africano» –.
À perplexidade do jovem (“não morreste?”), o velho responde com um paradoxo famoso, que são aqueles que julgamos mortos que estão verdadeiramente vivos, porque libertando-se da prisão do corpo experimentam a vida eterna, e que são os que julgamos vivos que vivem a morte (na forma de sofrimento e decadência) na existência sublunar.
Entra no sonho Paulo, o pai do jovem Cipião, e com a emoção do reencontro destes dois desaparecidos o jovem, inebriado com o paradoxo, pergunta-lhes se não deverá juntar-se a eles nessa dimensão de vida verdadeira.
Paulo dissuade-o, com argumentos retirados de Platão: não somos livres de nos libertar da Terra senão por ordem daquele que nos colocou nela para dela cuidarmos (senão, que sentido teria estarmos aqui?); não podemos libertar a alma do corpo, insiste o pai do sonhador, porque isso seria desdenhar o dom que, investindo-nos no que somos, nos transcende.
Não era a posição unívoca de Cícero (De officiis, De finibus, Tusculanae Disputationes). Mas a fama do “Sonho de Cipião” associou-o, na tradição cristã, à condenação do suicídio, até aos tempos de impiedade do iluminismo.
Antes, Séneca tinha subtilmente (e ironicamente, dado o seu desfecho pessoal) invertido já os termos de Platão: a renúncia ao suicídio não é o cumprimento de um imperativo, é antes o exercício de uma liberdade – é um gesto moral.
É na ponta desta inflexão valorativa que pega David Hume, quando busca reabilitar o suicídio como expressão irredutível e idiossincrática da última liberdade que pode restar à nossa condição (quando acordamos, cépticos, do Sonho de Cipião).
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