O novo Ashram minimalista

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Jogos Olímpicos só para portugueses

Li hoje num jornal que os desaires dos nossos atletas em Pequim se deveram à pressão sobre eles exercida. Soa a coisa grave, até que percebemos de que tipo de pressão se trata: a pressão para obterem bons resultados.
Isso não se faz ao atleta português, que como é sabido é impressionável e enfermiço. Diz-se-lhe "vai e ganha!" e ele, coitado, começa a desmoronar-se. A noção de vitória aterroriza-o, e mesmo a de competição esfrangalha-lhe os nervos; minutos depois do incitamento ele já definha, empalidece, enjoa, consome-se. Os outros partem e ele fica, em posição fetal, a cismar e a chamar pela mamã.
Se o censuram ou tentam chamá-lo à pedra – ainda é pior: amua, emburra, fica malcriado, e conta com a pronta solidariedade dos demais atletas, que aparecem logo a consumir as suas magras energias em vigorosos esforços de passa-culpas e defesa corporativa.
Parece, portanto, que a única forma de extrairmos desses atletas os inesgotáveis talentos que cada um deles guarda ciosamente na sua privacidade e, pelos vistos, detesta partilhar, será deixá-los inteiramente à vontade, não lhes estabelecer quaisquer metas, não lhes exigir qualquer esforço.
Oferece-se-lhes um lauto repasto de morcela e arroz de carqueja, com entrada de jaquinzinhos e rematado com papos de anjo; e entre dois penaltis de tinto um levanta-se e, contra os nossos protestos de que se deixe ficar sossegado, vai e salta 9 metros a pés juntos; enquanto a outro lhe vão buscar um café e uma bagaceira, ele, para desmoer, bate o recorde do mundo da légua; e outro ainda, só para não o verem palitar os dentes, dá cinco piruetas à retaguarda quando se lança na piscina. O resto da comitiva arrota, em aprovação.
O ponto é que não estejam presentes esses malditos estrangeiros que insistem em fazer as coisas com hora marcada e sob a pressão competitiva. O remédio é, portanto, organizar-se uns Jogos Olímpicos só para portugueses, ali mesmo no Jamor, que até tem muito ambiente. Aposto não somente que a descontração proporcionaria desempenhos muito melhores, mas até que a maior justiça das regras iria permitir aos nossos atletas alcançarem a maior parte das medalhas.

1 comentário:

AMCD disse...

A questão não é que se diga aos atletas “Vai e ganha!”. Antes fosse! A questão é a palavra “medalha” constar em cada pergunta idiota feita pelos jornalistas quando questionam os atletas medalháveis antes das provas. É cansativo! Os atletas têm é de correr por eles e, na sua intimidade, mandar o país às urtigas. Se a glória assim advir, a satisfação do país e dos portugueses virá por acréscimo. Repare que o recordista mundial dos 100 e dos 200 metros, o jamaicano Usain Bolt, quando terminou a final dos 200 m virou-se para a câmara e gritou “I am the number one” ou coisa do género e não “Long live to Jamaica” ou “God save Jamaica”. Os campeões correm por si em primeiro lugar. O país e respectiva bandeira vêm depois. Os atletas portugueses só deviam ser importunados pelos jornalistas depois das provas. Antes, deveriam estar concentrados na competição e abstraídos do resto.

AMCD

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