Isto de andar na alta roda tem que se lhe diga: é preciso prestar tanta atenção a tanta coisa ao mesmo tempo que verdadeiramente cada um vai fazendo o seu currículo com a acumulação dos irremediáveis falhanços.
Por mim, é as fardas da criadagem, ou, se quiserem, do «catering»: vejo alguém de smoking branco e peço logo um Campari tónica, para logo de seguida reconhecer o embaraçadíssimo segundo secretário da embaixada uzbeque que não sabe como há-de esquivar-se elegantemente da gaffe (aparentemente é matéria omissa no protocolo). Que querem, nunca me lembro de que há excepções à lei férrea que determina que a vestimenta dos serviçais de uma geração é a fardeta de gala da «gente bem» da geração anterior.
Saio da limousine, vejo o comandante da Guarda na mais magnífica casaca de Príncipe Danilo e algo no meu íntimo interroga-se se, apesar do facto de ele não me ter aberto a porta nem me ter acompanhado com um guarda-chuva gigante até à porta do palacete, mesmo assim não lhe deverei dar uma gorjeta.
Embaraçoso, demasiado embaraçoso.
Acho que o «dress code» deveria ser mais inequívoco, como de resto o é há muito em Cascais: smoking, fraque, casaca, tudo isso já era, tudo isso desceu as escadas e há muito foi agasalhar a copa. O que vale é uma calça vermelha e um sapato de vela de cor garrida, uma peúga a condizer com a camisa (mas nunca uma peúga branca, t'arrenego, e nunca uma foleiríssima falta de peúga). A camisa, essa, convém que seja de riscas, se possível a imitar o padrão e a textura dos toldos de praia, a sugestionar às narinas, em sinestesia, aquela nota adocicada de Ambre Solaire e óleo de côco e gelado Santini - a mesma nota olorosa que atrai tanta mosca àquela abençoada terra. Se chove, um jaquetão verde-garrafa ou sangue-de-boi, com magníficos botões de comodoro a condizer com a melena aloirada e um farfalhudo lenço heliotrópico balançando sobre o emblema do Yacht Club cosido no bolso; a camisa passa a branca, não a peúga, e exibe-se negligentemente desabotoada.
Mas o homem de Cascais é um génio: não se fiando no carácter inequívoco do seu «dress code», imediatamente desfaz equívocos com a sua conversa – mulheres, carros, noites, primos e primas, negócios, crenças marialvas e sociais-democratas com alguns «soupçons» de racismo, dinheiro, motos, heranças, as inconfidências do Manecas e as infidelidades do Tuncas (ou será da Tuncas?), viagens, viagens, viagens. Tudo isto mas não necessariamente por esta ordem – e temos identificado o homem, mesmo que ele viesse despido, ou seja, sem as calças vermelhas ou sem o jaquetão púrpura.
Porque é que nos cocktails não há só malta de Cascais? Os embaraços a que eu já teria sido poupado!
Por mim, é as fardas da criadagem, ou, se quiserem, do «catering»: vejo alguém de smoking branco e peço logo um Campari tónica, para logo de seguida reconhecer o embaraçadíssimo segundo secretário da embaixada uzbeque que não sabe como há-de esquivar-se elegantemente da gaffe (aparentemente é matéria omissa no protocolo). Que querem, nunca me lembro de que há excepções à lei férrea que determina que a vestimenta dos serviçais de uma geração é a fardeta de gala da «gente bem» da geração anterior.
Saio da limousine, vejo o comandante da Guarda na mais magnífica casaca de Príncipe Danilo e algo no meu íntimo interroga-se se, apesar do facto de ele não me ter aberto a porta nem me ter acompanhado com um guarda-chuva gigante até à porta do palacete, mesmo assim não lhe deverei dar uma gorjeta.
Embaraçoso, demasiado embaraçoso.
Acho que o «dress code» deveria ser mais inequívoco, como de resto o é há muito em Cascais: smoking, fraque, casaca, tudo isso já era, tudo isso desceu as escadas e há muito foi agasalhar a copa. O que vale é uma calça vermelha e um sapato de vela de cor garrida, uma peúga a condizer com a camisa (mas nunca uma peúga branca, t'arrenego, e nunca uma foleiríssima falta de peúga). A camisa, essa, convém que seja de riscas, se possível a imitar o padrão e a textura dos toldos de praia, a sugestionar às narinas, em sinestesia, aquela nota adocicada de Ambre Solaire e óleo de côco e gelado Santini - a mesma nota olorosa que atrai tanta mosca àquela abençoada terra. Se chove, um jaquetão verde-garrafa ou sangue-de-boi, com magníficos botões de comodoro a condizer com a melena aloirada e um farfalhudo lenço heliotrópico balançando sobre o emblema do Yacht Club cosido no bolso; a camisa passa a branca, não a peúga, e exibe-se negligentemente desabotoada.
Mas o homem de Cascais é um génio: não se fiando no carácter inequívoco do seu «dress code», imediatamente desfaz equívocos com a sua conversa – mulheres, carros, noites, primos e primas, negócios, crenças marialvas e sociais-democratas com alguns «soupçons» de racismo, dinheiro, motos, heranças, as inconfidências do Manecas e as infidelidades do Tuncas (ou será da Tuncas?), viagens, viagens, viagens. Tudo isto mas não necessariamente por esta ordem – e temos identificado o homem, mesmo que ele viesse despido, ou seja, sem as calças vermelhas ou sem o jaquetão púrpura.
Porque é que nos cocktails não há só malta de Cascais? Os embaraços a que eu já teria sido poupado!
4 comentários:
Even when you're bad, you're good...
Ah, grande texto!!
O homem de Cascais nunca, por nunca, usaria sapatos de vela (a que ele, aliás, chama topsiders, da marca que os inventou) com meias. Os topsiders usam-se sempre sem meias. Os habitantes de Cascais, hoje, não são "de Cascais". Talvez daí a sua confusão. De Cascais sou eu, e outros como eu, e fugi para Lisboa.
Ah, e não falamos de dinheiro nem de negócios, talvez por já não termos um e nos faltar o jeito para os outros. Do que falamos mais é do tempo em que podíamos deixar as portas de casa abertas e ir a pé, sozinhos, para a escola ou para a praia, ou "à vila" (a rua de tabacarias, drogarias e lojas de aprestos de pesca que hoje se chama pomposamente largo de Camões), ou à pesca para as rochas, ou ao pinhal apanhar musgo para o Presépio. Agora, já não há drogarias, há restaurantes e lojas de roupa; já não há rochas, há uma marina; já não há dunas nem pinhais, há prédios.
Como já terá percebido, eu sou do ramo meridional, menos espirituoso e menos culto, da família do Dr António Sousa Homem, meu tio, mas se precisar de mais informações sobre o sartorial code do verdadeiro homem de Cascais, estou às ordens.
Que texto fantástico. Logo agora que fui convidada para um casamento de fraque...
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