O novo Ashram minimalista

domingo, 29 de junho de 2008

Livros sobre Churchill e mais um acto falhado do revisionismo




Emprestaram-me uma enxurrada de livros sobre Churchill – o filão não acaba – e deles li, algo apressadamente, dois muito interessantes (Lukacs, Olson), um interessante mas perturbador (Baker) e um panfleto revisionista mas oco (Buchanan).
Os dois primeiros são «canónicos», muito documentados, com factos novos – e esquivando-se à hagiografia (os tempos não estão para isso, ao menos em países em que a historiografia ainda é levada a sério)
O de Baker é essencialmente pacifista – impressiona, comove, mas escamoteia as razões pelas quais ainda hoje se admite o recurso legitimado ao uso da força (mas temos sempre que admitir que um futuro fraterno condene este nosso presente marcial).
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Muito curioso o livro de Buchanan, porque mostra a habilidade com que um panfletário contundente pode manipular a ignorância histórica e a vontade de escândalo para apresentar puras banalidades e proposições inócuas e muito batidas como «provocações». Buchanan já disse muita coisa escandalosa e já sustentou muita patetice – mas desta feita fica muito aquém da sua reputação de «bagarreur intelectual».
A) Que Hitler não representava um perigo para a Grã-Bretanha e devia ter sido deixado à vontade para «varrer o continente» foi o argumento dos isolacionistas logo à data, e tem sido retomado por polemistas pró-nazis ou anti-franceses – tão recentemente como em John Charmley, por exemplo. Já agora, quem quiser sinceramente chocar-se ou assistir à tentativa de demolição revisionista do «Weltanschauung» Aliado perde o seu tempo com qualquer livro que não seja o de Charmley, que já tem 15 aninhos. Dentro do respectivo «nicho retórico», ainda é imbatível...
B) Que foi Versailles que gerou o ambiente favorável à 2ª Guerra Mundial é uma afirmação tão trivial e arbitrária (na medida em que sugere uma natureza pavloviana à nação germânica) que nos surpreende que um direitista como Buchanan venha retomá-la: o argumento sempre foi um favorito da esquerda e um dos artigos de fé do keynesianismo, e é ele que está na base das soluções da actual ONU (cá temos Buchanan em terreno novo, o repúdio de Wilson lança-o para os braços de Truman...).
C) Que a guerra era evitável, é também um facto trivial: todas as guerras são evitáveis, resta saber por que preço. A moderna evolução do conceito de «ingerência humanitária» veio diminuir, não aumentar, o preço que se tolera para a manutenção da paz. A única coisa que fica provada é que, vista sob o prisma de alguma xenofobia britânica ou norte-americana, a tirania hitleriana sobre os «outros» era algo de perfeitamente aceitável.
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Buchanan parece, além disso, viver num mundo de obscuridade e de ignorância:
1. Aparentemente ninguém o informou de que a Guerra Fria já terminou – e terminou sem o triunfo do estalinismo. A consequência catastrófica que é assacada a Churchill, com dupla injustiça (tanto na omissão do papel de Hitler como no plágio de Charmley), afinal era reversível – não era catastrófica.
2. Parece desconhecer que a «conta corrente» que desemboca na 2ª Guerra Mundial não começa em Versailles, mas bem antes, na Guerra de Sucessão da Áustria e na Guerra dos Sete Anos – altura em que, boa aprendiz de feiticeira, a Grã-Bretanha inventou a potência militar prussiana para desfazer o eixo Paris-Viena. Falar de Versailles é referir apenas o penúltimo episódio, e pagar tributo (não inesperado em Buchanan) à propaganda nazi.
3. Não percebe a fragilidade do seu uso do contrafactual em ostensivo double standard: o rearmamento alemão dos anos 30 é muito anterior à mais remota perspectiva de regresso de Winston Churchill ao poder. Que significava então esse rearmamento? Que as autoridades alemãs, recorrendo à bruxaria, adivinhavam que um belicista, alguns anos volvidos, protagonizaria um regresso inesperado para de seguida lhes declarar a guerra? É uma conjectura delirante que é eloquentemente desmentida pela história tal como ela ocorreu.
Insisto: quem queira comprazer-se com pancadaria na memória de Churchill e com um revisionismo por vezes descabelado mas sempre talentoso, que leia The End of Glory. Quem queira um panfleto mal amanhado e frouxo em tudo o que não é copiado – que se contente com Buchanan.

4 comentários:

O Réprobo disse...

Meu Caro Jans,
não li este livro de Buchanan, nas, apesar de discordar de muito do que ele defende (e de concordar, noutros casos), tenho respeito intelectual por ele.
Versailles foi uma nódoa, ainda hoje falo disso. Mas não o acuso - ao tratado, não a Si - apenas de responsável pela II Guerra, o que parece evidente a muito boa gente, mas pelo próprio hitlerianismo.
Abraço
PS como julgo que sabe, sou intransigente admirador de Sir Winston

Jansenista disse...

Eu, por mim, não sou admirador de Winston Churchill, mas reconheço que por duas vezes ele foi o único obstáculo sério e credível ao avanço da barbárie: primeiro em 1940 e depois nas advertências contra a «cortina de ferro».
Quanto ao Pat Buchanan, menos respeito ainda: é um psicopata ostentativo - ou seja, é capaz das mais extremas atitudes para que continuem a prestar-lhe atenção.
Cumprimentos,
J.

PA disse...

Dizer que a Grã-Bretanha inventou a potência militar prussiana parece um pouco rebuscado. Que é certo que se aproveitou descaradamente da «irreverência» - para dizer o menos - dos Habsburgos é para mim certo. Mas isso fazia parte do código genético da potência marítima da época: dividir para reinar. Sendo pouco dada à constituição de grandes exércitos, aproveitou-se das queixas dos outros para levar a água ao seu moinho (ver o caso da Guerra Peninsular). À muito que a casa reinante da Prússia tinhas as suas próprias aspirações. Nesse domínio pudemos dizer até que a própria Rússia fez mais pela causa prussiana do que os ingleses, no final da Guerra dos Sete Anos.
Cumprimentos.

PA disse...

My mistake: a dinastia é a dos Hohenzollern.

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