O novo Ashram minimalista

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Uma repetição (sem exemplo)

Os que me vão lendo sabem que não gosto de repetir-me. Sucede que nestes últimos dias andei a vasculhar no porão das memórias, a rever velhas fotografias, a alinhar nomes e evocações – e lá do fundo do subconsciente foram subindo lembranças muito remotas, muito adormecidas.
Em homenagem a elas republico um texto que apareceu no Ashram em 22/6/2007, Les Copains d'Abord:
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(Re)vejo-os a preto e branco, crianças inodoras e emudecidas fitando atentamente uma câmara – os medos, os sonhos, as alegrias e as impiedades muito tenuemente associadas, no meu espírito, àquele turbilhão de vida congelado e eternizado, eu que quase juraria ouvir ainda o eco chilreante na topografia daqueles sorrisos imaculados.
Quando nos reencontrámos muitos traziam essas fotografias, como se quisessem comprovar as diferenças; eu dispensei isso, sabendo de antemão o impacto que causaria a profunda metamorfose dessas crisálidas casualmente agregadas sobre a gravilha ensopada das manhãs de Outono, agora, tantos anos volvidos, adensadas com o peso de trajectórias pessoais muito alongadas e centrífugas, despida a bata e o uniforme, adquiridos os vícios, as manias e as máscaras, sulcados os primeiros vales naquela topografia facial.
Lembro-me do espanto que muitos manifestaram de reencontrarem o seu colega «marrão», uma criança tímida e esquiva, transformado num homenzarrão de voz cava e barba rija, muito físico tanto na sua ironia truculenta como no seu afecto, muito ágil nos seus passos, inesperadamente irreverente.
Eu espantei-me também com muitos, mas mais pelos seus destinos do que pelas aparências – como algumas promessas seguras tinham sido relegadas pela Roda da Fortuna, e outros tinham vencido contra a improbabilidade (dois deles estão entre os cem mais ricos do país); como tantos tinham acabado comunistas (triste geração, a minha) e uma mão-cheia ficara com os miolos «torrados» com a droga; como tantos tinham feito das suas vidas experiências muito significativas e interessantes – cientistas, músicos, pintores, líderes cívicos – sem soçobrarem ignobilmente na servidão do vil metal; como em quase todos tinha ficado viva a chama da excelência e da superação, uma chama que se ateia na infância – ou nunca.
Lembrei-me deles também porque o Sol regressou, e porque quando os vejo nas fotos a preto e branco sei imediatamente que o que lhes falta é o calor do Sol, aquele calor que ainda é mais tórrido quando se é criança e se passa horas a fio em corridas sem destino sobre a gravilha ensopada.
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2 comentários:

T disse...

pois!.....(adoro este pois que todos utilizam por aí!)
Quando se tem tempo de sobra, acontece de vasculhar e aí fica-se saudosista:/
Quando nãi havia tempo, o tal corre-corre não deixava, impedia.
mas gostei da leitura.
bye

CPrice disse...

e ainda bem que se repetiu .. eu que não tinha lido em primeira instância, agradeço.

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