O novo Ashram minimalista

quarta-feira, 16 de abril de 2008

António Lopes Ribeiro

Tive a boa fortuna de o conhecer, in illo tempore, e de lhe ter ficado a dever as maiores atenções – tendo sido para mim um mistério como é que um homem com aquele gabarito, com aqueles horizontes e com aquela estudada irreverência diante do mundo e dos homens perdia sequer tempo a trocar umas palavras comigo, um fedelho cuja única arma era escrever bem e conhecer pelos livros aquilo que ele conhecera de experiência. Era de uma ironia finíssima, e julgo que foi isso que lhe travou a amargura quando em seu redor se desmoronava um edifício em que ele seriamente acreditara; falava do futuro, ainda que eu procurasse descortinar em cada alusão ao futuro uma referência a anos passados; falava de pessoas muito mais do que de arquitecturas de regime, ou de chavões ideológicos, e percebia-se nele a tolerância de que são capazes as pessoas convictas mas sábias; os seus olhos inquisidores pareciam maravilhar-se ainda com os jogos de luz e sombra que ele outrora desenhara a sépia e a preto e branco; e do seu punho saíam rasgos poéticos em catadupas, mesmo quando todos os seus próximos soçobravam na apatia do desespero. No seu horizonte, dir-se-ia, não havia ocaso
Fala-se do poder redentor da arte, e nele esse poder redentor parece particularmente bem traduzido. Desaparecido o regime que fielmente serviu, não desapareceu a arte com que soube fazê-lo; e agora que já se amainou a sanha dos detractores, torna-se claro que a visão artística que ele nos legou ficará como a mais perene imagem de um certo Portugal que floresceu em meados do século XX, com a sua tão peculiar iconografia e escala de valores, uma última exuberância de pitoresco e de idiossincrasia antes do nivelamento «normalizador» e «europeizante», antes da enxurrada de estéticas de importação. Um Portugal lírico que talvez nunca tenha existido senão na imaginação de artistas – mas que é o Portugal que acaba mais perenemente sedimentado na nossa imaginação retrospectiva, naquilo que obstinadamente queremos ainda crer que subsista como nossa «identidade».
Faria hoje 100 anos.

2 comentários:

margarida disse...

Que elegia tão bonita...; que suave lirismo, tão apropriado, quer ao celebrado, quer aos tempos que passaram e já tão poucos recordam.
Pelo menos, sob esse véu de mística saudade...
Que foto tão bem eleita.
Que perfeita.

O Réprobo disse...

Também o Caro Jans! Hoje tive o grato prazer de verificar que Várias Amigas que me frequentam generosamente a casa conheceram ALR! Quem sabe se não teremos estado ambos nalgum dos círculos de juventude que rodeavam o Sage e em que me integrei, qual penetra...
Abraço

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