Anda por aí uma crispação qualquer nos blogues em torno do tema: "espelho meu, haverá mais liberal do que eu?".
Trata-se de um equívoco: o liberalismo a que se faz referência é planta importada, que tende a murchar e a transformar-se noutras coisas por estas paragens.
As pessoas que eu conheço e que por cá genuinamente prezam a liberdade politica não são liberais: são defensores tenazes do «underdog», seja ele qual for em cada momento, e não perdem tempo em alinhamentos clubísticos e em indagações de «pedigree» - e muito menos se afadigam em esforços de «pertença», de inclusão no número dos «insiders».
As pessoas que eu conheço e que se reclamam «liberais» tendem a desprezar soberanamente a liberdade política: são em geral obedientes seguidores de uma cartilha pseudo-aristocrática, bebida em postais a sépia de uma Inglaterra vitoriana que só existe para exportação. São avatares do Prof. Espada, predispostos a fazerem de jovens turcos apenas enquanto as benesses não chegam. Acham (dizem que acham) que Oxford é o centro do mundo, gostam de citar nomes e autoridades para deixarem subentendido que pertencem à «old-boy network» (outra ilusão classista muito eficientemente exportada), e são capazes de jurar que o mundo é uma questão de «captura de renda» («rent-seeking») e de «escolha pública» («public choice»), dois «santos e senha» para o ingresso no «número» dos «bem-pensantes». Os mais cultos já ouviram falar, e veneram sem ter lido, as ideias «atlânticas» de J.G.A. Pocock (quando envelhecem convertem-se em «politólogos» florentinos).
Zangam-se como só os «parvenus» conseguem zangar-se – por puras questões de contagem de plumas. No resto são dóceis, dão férreos gestores de recursos humanos (o «upgrade» do velho capataz) e anafados pais de família (o «downgrade» do misógino «clubman»). A partir dos trinta anos, quando se acabam as bolsas de estudo e as ilusões do proselitismo «british», os mais inadaptados vão destilar as suas frustrações em servilismos partidários ou em mercenarismos jornalísticos. A partir dos quarenta, a mulher e os filhos amarram-nos ao burgo, deixa de haver dinheiro para tanto botão de punho e camisa listrada, e o médico proíbe a compota de laranja amarga.
A partir daí reconciliam-se com tudo, começando pelo país real em que vivem; percebem que o «liberalismo» é uma doença adolescente, o sonho com um país quimérico que só sobrevive em visitas guiadas àquela pequena fracção de Oxford que não trabalha e que finge que pode dar-se ao luxo de perfilhar a velha moral aristocrática que tomava o trabalho, e a miséria alheia, e a falta de liberdade dos outros (dos «underdogs»), como uma grande maçada, como uma abominação.
O novo Ashram minimalista
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
A anedota do liberalismo português
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7 comentários:
Bravo! Será difícil descrever melhor a doença...
Escusado será dizer que, na aldeia e arredores (especialmente a Sul), encontram-se muitos ...
(Não é, de todo, nenhuma critica apenas mera constatação de facto...)
Vemos que está em forma outra vez..!
É tão claro, que nem pode ser considerado 'cruel'...
Só faltam os nomes. Ou não, não falta mesmo nada...
Mas são tão amados que nos limitamos a esperar. Pelos anos de contenção. A todos os níveis. Para não falar de realidade. A real.
Absolutamente genial!
Os melhores cumprimentos,
Demokrata
Arrisco-me a dizer que aqueles que se dizem "Liberais" ou são funcionários públicos ou estão em empregos seguros, imunes a concorrência liberal.
Excelente.
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