O novo Ashram minimalista

sábado, 3 de novembro de 2007

Fados e nobreza

Falou-se de D. Vicente da Câmara. Fui colega de um filho dele, e um dia, tendo-lhe nós pedido que ele arranjasse um convívio de fados, lá trouxe o pai, acompanhado do Zé Pracana e de D. Segismundo de Bragança à viola. Que noite inolvidável! D. Vicente conquistou-nos mesmo antes de começar a cantar, com uma observação muito doce: "Hoje sinto-me realizado como pai: pela primeira vez não me perguntam se o João é meu filho, perguntam-me se eu sou o pai do João". Recordo muito particularmente as imitações do Zé Pracana, um talento transbordante que nunca teve o reconhecimento merecido (e que, diga-se em verdade, nunca pareceu preocupar-se com isso): na sua voz desfilavam desde os maneirismos de Tony de Matos até às arrancadas acanalhadas do próprio D. Vicente (que se ria perdidamente), culminando nas toadas solenes e anasaladas de João Ferreira Rosa (para mim, a melhor voz masculina do fado depois de Carlos Ramos, e com um talento inultrapassado para conferir solenidade e espiritualidade à interpretação).
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O João da Câmara era um jovem de uma afabilidade sem par, que contrastava um pouco com a sua aparência campina, o rosto sempre ornamentado com umas patilhas gigantescas. Lembro-me de um dia o Prof. Borges de Macedo ter comentado, jocoso, que a fotografia na caderneta do João era a de um rapazinho de 16 anos, e que era preciso actualizá-la, rematando: "em contrapartida, o Sr. é de uma grande fidelidade pilosa" (já tinha as patilhas aos 16 anos). Ainda jogámos rugby juntos.
Perdi-o totalmente de vista, e de vez em quando lá vou sabendo dos seus postos diplomáticos. Um camarada, e um caso rematado de nobreza nos modos (a única que reconheço).

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