O novo Ashram minimalista

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

La Legion Portugaise e um dilema historiografico

Je Maintiendrai deplora o maniqueísmo prevalecente na historiografia nacional – em especial no que respeita ao sucedido nos últimos 200 anos, e especificamente no que toca à presença portuguesa nas hostes napoleónicas.
No entanto, acho difícil contar-se seja o que for «au-dessus de la mêlée», seja:
a) porque não é possível traçar-se uma bissectriz e dizer-se que o retrato humano fica incólume (nenhum de nós vive num equilíbrio de virtudes e defeitos);
b) porque estamos em Portugal, um país de capelas e fidelidades – um país que não é possível retratar noutro registo sem se desfigurar o que foi e é ainda o motor dos seus protagonistas (muitos dos retratados nada valem fora da sua filiação, são profundamente desinteressantes como modelos de virtudes pessoais ou cívicas);
c) porque uma historiografia «asséptica» seria o cúmulo da arrogância «actualista», uma mescla de triunfalismo «whiggish»-hegeliano: quem somos nós, servos de paixões, para julgarmos ou censurarmos os que outrora o foram também – só que de outras paixões?
A historiografia, na minha humilde opinião, é um exercício «contaminado», e essa contaminação não é boa nem má – é inevitável. Dito isto, tudo é uma questão de grau: por mim, a historiografia deve travar uma batalha contínua para não submergir a simpatia pelo passado com ruído do presente, seja o da censura arrogante do «trono imperial da retrospectiva», seja o da dissolução relativista-antiquarista que tenta reviver paixões e justificar atitudes. «Au milieu de la mêlée», decerto, mas travando um diuturno combate pela elucidação – e, se possível, pela edificação dos vindouros. Aí entro em incondicional sintonia com Je Maintiendrai: afinal estamos num meio onde há ainda muita gente capaz de afirmar-se «miguelista» sem pestanejar e sem rir – e num país onde haverá ainda comunistas 500 anos depois de essa fé ter sido abolida no resto do mundo. Todos os auxílios para passarmos à frente disto são positivos – mesmo que se trate da nova vaga romanceiro-historiográfica.
Por mim, é ler e reler Nuno Espinosa Gomes da Silva, no seu primoroso "Reflexões sobre a Génese do Chamado «Projecto» de Constituição de 1808, a Outorgar por Napoleão a Portugal", publicado na revista Direito e Justiça em 2004. Um retrato conciso mas imbatível da época, pelo nosso melhor historiador do Direito (coisa que, aparentemente, ninguém lhe perdoa).

3 comentários:

PA disse...

Concordo plenamente com o seu comentário sobre o oficio historiográfico. E sobre as cargas que muitas vezes o contaminam.
Apenas uma ressalva sobre a alinea b.
De facto devemos olhar para todas aquelas personagens de uma forma desassombrada: de ideias feitas - das nossas ideias feitas. Constatando a sua imperfeição, como não podia deixar de ser. Mas também procurando reconhecer a sua sublimação, qualquer que ela seja.
Exemplo: o Marquês de Alorna lutou e morreu por aquilo em que acreditou. Não é isso valor suficiente?
Cumprimentos.
PS - Pessoalmente, sensibiliza-me o facto do Marquês morrer longe do seu País, no frio da Europa de Leste, com saudades da sua terra( ou seria do calor?)

Je maintiendrai disse...

Cáspite! Escreve um cristão meia dúzia de linhas sobre o contraste de visão de uns livros sobre Gomes Freire e sai o Jansenista com toda uma teoria da História! Com que concordo.
Mas o ponto, muito preciso, é este: a ainda pendente obra de destrinçar, tanto quanto possível, a verdade das paixões nesse período conturbado, onde só há "patriotas" (nas saias de Gomes Freire ou à sombra da bananeira brasileira) ou "traidores", a marchar pelas neves da Rússia e a renegar os amigalhaços dos Ingleses.
Não conhecia esse texto de Espinosa (e "porque estamos em Portugal, um país de capelas e fidelidades" dispenso-me de o escalonar -- e ele também, decerto, Mestre que é -- no Olimpo exclusivo dos jus-historiadores)mas, para o período em causa, continuo a pôr nas alturas o que Graça e J.S. da Silva Dias escreveram n'"Os Primórdios da Maçonaria em Portugal".

Jansenista disse...

Obrigado pelos contributos!

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