Um dos primeiros crivos da minha triagem pessoal envolve o João do Grão: há as pessoas que se sentem à vontade no João do Grão, e depois há as outras. Que se sentem à vontade, insisto, não é as que gostam, porque eu próprio sou objectivo e sei que há muito melhor em restaurantes, sejam quais forem as variáveis que incluamos na avaliação. As pessoas que se sentem à vontade no João do Grão tendem a ser pessoas que se sentem bem na sua pele, que vão a qualquer restaurante pela comida básica e sobretudo pela companhia. São pessoas sem preconceitos culinários, sem veneração por modas, sem preocupações de verem ou serem vistas por algum «beau monde» (supondo-se que tal existe abaixo dos Pirinéus). Não olham à volta nem emudecem na vaga esperança de ouvirem conversas alheias, nem se preocupam em impressionar os empregados com ostentações de destreza no manuseio de talheres ou do conhecimento dos arcanos vinícolas de aquém e além-mar.
Tenho tido algumas das minhas refeições mais calmas (excluindo as domésticas, é claro) no João do Grão, e por lá têm decorrido algumas das conversas mais descontraídas, alegres e instrutivas. Talvez se houvesse ainda o velho Martinho, ou o Suisso, ou o Gelo, talvez se o Nicola não tivesse arvorado aquele ar cosmopolita – talvez eu tivesse menos apego por esse último reduto galego na Baixa. Mas enquanto a refeição decorre acomete-me às vezes a ansiedade de pensar que um dia aquilo fecha, e percorro com o olhar alguns recantos que eu lembrava mais escuros e compartimentados da minha mais recôndita meninice (detestei as poucas vezes que lá terei ido, associava aquilo a uma espécie de carvoeira fétida e repleta de gente feia e suja, e só de castigo é que, sustendo a respiração e contendo a náusea, conseguia comer uma ou duas lasquinhas de bacalhau).
Como eu mudei! E como o sítio mudou – mudando tão pouco! (Às vezes tenho a esperança de que o mesmo tenha sucedido comigo). Lembrei-me do João do Grão lendo a justíssima reportagem no suplemento do SOL, e não deixei de experimentar o sentimento agridoce que, para mim, têm todas as evocações de uma Lisboa de pregões e cheiros e tascas que, vertiginosamente, quase desapareceu em duas ou três décadas.
Tenho tido algumas das minhas refeições mais calmas (excluindo as domésticas, é claro) no João do Grão, e por lá têm decorrido algumas das conversas mais descontraídas, alegres e instrutivas. Talvez se houvesse ainda o velho Martinho, ou o Suisso, ou o Gelo, talvez se o Nicola não tivesse arvorado aquele ar cosmopolita – talvez eu tivesse menos apego por esse último reduto galego na Baixa. Mas enquanto a refeição decorre acomete-me às vezes a ansiedade de pensar que um dia aquilo fecha, e percorro com o olhar alguns recantos que eu lembrava mais escuros e compartimentados da minha mais recôndita meninice (detestei as poucas vezes que lá terei ido, associava aquilo a uma espécie de carvoeira fétida e repleta de gente feia e suja, e só de castigo é que, sustendo a respiração e contendo a náusea, conseguia comer uma ou duas lasquinhas de bacalhau).
Como eu mudei! E como o sítio mudou – mudando tão pouco! (Às vezes tenho a esperança de que o mesmo tenha sucedido comigo). Lembrei-me do João do Grão lendo a justíssima reportagem no suplemento do SOL, e não deixei de experimentar o sentimento agridoce que, para mim, têm todas as evocações de uma Lisboa de pregões e cheiros e tascas que, vertiginosamente, quase desapareceu em duas ou três décadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário